A mãe manda muito. Mas a cabeça manda mais


Só tu podes decidir o que pensas, como ages e naquilo que te tornas. E tudo começa nos teus próprios pensamentos. Tudo começa no início


Mais do que o peso, o difícil de controlar são os pensamentos. Cheguei a pensar que era impossível contê-los. Eles surgem, como as contas da luz e do gás, inesperadamente e com passo duro marcham dentro de nós, marcando o ritmo. Cheguei mesmo a acreditar que nada poderia fazer para que acalmassem, para que não me atropelassem. Eram sempre tão velozes. Se algum dia a polícia os apanhasse, decerto que os multaria. Mas não, nunca ninguém poderia travar os meus pensamentos. Eram mais rápidos que a luz.

Antigamente era mais difícil pará-los. Meter-lhes um stop à frente, obrigando–os a parar, era uma tarefa impensável. Parem, parem, pensamentos cansativos! Mas eles eram sempre tão velozes. Apareciam tão depressa, mais depressa, e se alguém perguntava no que estava a pensar, outro pensamento já se tinha atravessado mesmo à minha frente.

“A minha cabeça não consegue parar”, dizia eu. Achando que tinha de ser sempre assim.

Mas as coisas mudaram. Não penso menos nem penso mais devagar. Eles continuam a surgir constantemente, porém, já não dominam completamente a cena. Já não acampam na minha mente sem autorização, abalroando tudo o resto, deixando-me a cabeça em água por estar tão farta de pensamentos invasivos. Eu agora também mando. Mando e controlo e faço-o de forma consciente.

Estou mais leve.

Os pensamentos aparecem. Às vezes em padrão, repetidos. Consigo saber o que vou pensar quando ocorre determinado acontecimento. Por exemplo, quando sinto uma dor qualquer sei que imediatamente surge a ideia de que posso estar novamente doente. Fico de tal forma apavorada que permito que ela me invada. Fico doente com o medo de ficar doente. Irónico, não é? Todavia, como finalmente aprendi a identificar o pensamento-padrão, consigo impedir que se instale. Respiro fundo, acalmo-me e espero pacientemente que se vá embora. O pensamento nunca se instala por si mesmo. Somos nós que o alojamos. Mas se soubermos esperar, acaba por desistir porque não lhe demos atenção. O truque é ter calma e esperar que o gajo saia por onde entrou. Mas atenção – não devemos substituir o pensamento negativo por outro qualquer porque assim nunca mais acaba a tortura! Pensar na roupa que tenho para lavar porque não quero pensar naquilo que me assusta ou ocupar a cabeça com lixo televisivo não é descansar. É só levar-me à exaustão.

Quando criei o projeto Cancro com Humor, recebi uma mensagem de alguém que não conhecia a lembrar-me para ter cuidado com o que pensava e, sobretudo, com o que desejava: aquilo que pensas influencia as tuas ações. E são as tuas ações que decidem quem tu és.

Querer inspirar/ajudar não poderia estar à frente de desejar a minha própria saúde. Achei que isso era óbvio – querer o melhor para mim – mas, afinal, não era assim tanto. Afinal, era preciso ter cuidado com o que pensava. Nesse exercício de cuidado comecei a dizer a mim mesma (se disseres repetidamente algo a ti mesmo, irás plantar essa crença ao ponto de se tornar verdade): a minha saúde é a minha prioridade. Acima de qualquer coisa. Acima do projeto. Decidi para mim que haveria de ajudar muita gente mesmo estando saudável, mesmo sendo uma sobrevivente, e não uma atual doente oncológica. Que não precisava de vivenciar novamente essa experiência para ajudar quem estivesse a passar por ela. Talvez só depois de ter noção que os pensamentos podem ser sublimes, manhosos, discretos ao ponto de se infiltrarem em nós sem darmos conta passei a cuidar dos meus pensamentos sabendo que eles têm de ser limpos. Diariamente e sem exceção.

Ainda bem que tenho feito “esta limpeza” porque precisei de a saber fazer bem, recentemente. Depois de ser internada, vesti – sem que me mandassem – o meu fato de vigilante (bem sexy, por sinal) e abanquei à porta da minha cabeça: “Nem pensem que me vão atormentar…”, avisei os meus pensamentos. Recusei-me a ter medo e insónias e a pensar no que não queria. Em tantas horas em que me encontrei sozinha (com tempo de sobra para refletir sobre tudo), não tive pensamentos aterradores. Porque nunca deixei. Porque mando no que penso. Porque não quero mais ter medo. Porque quero pensar em coisas boas. Ou não pensar em nada, que às vezes é melhor do que em coisas boas. Curei a minha ansiedade assim. Evitei ataques de pânico assim. Tornei-me mais minha amiga assim.

Só tu podes decidir o que pensas, como ages e naquilo que te tornas. E tudo começa nos teus próprios pensamentos. Tudo começa no início. Nunca te esqueças: as mães mandam muito, mas a cabeça manda mais.