Recurso de Sócrates. MP diz que prazos não servem para beneficiar arguidos

Recurso de Sócrates. MP diz que prazos não servem para beneficiar arguidos


Tribunal da Relação de Lisboa rejeitou na semana passada um dos recursos de Sócrates. O i teve acesso ao acórdão e explica-lhe o que esteve em causa


“A ação penal não visa exclusivamente a proteção dos interesses do arguido, mas realizar a Justiça, entendida como um direito fundamental da sociedade e um dos pilares da democracia.” Foi assim que o Ministério Público (MP) respondeu ao recurso interposto por José Sócrates no início de 2016 e rejeitado na semana passada pelo Tribunal da Relação.

No acórdão, a que o i teve acesso, são apresentados os argumentos da defesa de José Sócrates, que exigia a extinção do inquérito por caducidade e a cessação das medidas de coação a que o arguido está sujeito. Os advogados do antigo primeiro-ministro, João Araújo e Pedro Delille, defendiam que tal se devia “por se mostrar ultrapassado o prazo máximo do inquérito”, argumentando que estes não são meramente indicativos, mas sim “elementos essenciais de garantia de proteção e de defesa dos arguidos”, citando artigos do Código do Processo Penal.

O mesmo documento apresenta a resposta do MP, que contradiz tal argumento com o facto de o artigo que prevê a extinção do inquérito por caducidade dos prazos do mesmo não poder “ser interpretado isoladamente mas em articulação com todo o sistema processual penal, nele se incluindo necessariamente, além do Código do Processo Penal e do Código Penal, a Constituição e o Estatuto do Ministério Público”.

O MP defende que os prazos não têm como objetivo acautelar a “paz jurídica dos arguidos”, mas sim orientar a ação penal, afirmando que existem ainda “diligências probatórias a realizar”.

Não se trata de opinião

Ao “SOL”, o antigo presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, Rui Cardoso, explicou que estes prazos são apenas “meramente indicativos”: “É a própria lei que diz que os prazos são meramente ordenadores e que, se forem ultrapassados, o inquérito continuará. Continuando, mantém-se a possibilidade de realizar todas as diligências que podiam ser efetuadas até ao momento. Isto não se trata de uma questão de opiniões, é o que está na lei.”.

O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) acabou por recusar o recurso, corroborando a ideia de que é ao MP “que compete determinar o modo e o tempo das diligências a realizar de acordo com a estratégia definida para a investigação em concreto”.

Recorde-se que José Sócrates afirmou, no início deste mês, que o inquérito decorre na “mais completa ilegalidade desde 19 de outubro de 2015”, data em que, segundo os prazos previstos, a investigação deveria ter terminado.

No entanto, o MP apontou o dia 17 de março como a data em que será proferida a acusação.

Lapso ou manipulação?

No acórdão é ainda referido o facto de José Sócrates ter pedido, em setembro, a “nulidade do processamento deste recurso” por este ter sido distribuído como urgente a 18 de agosto do ano passado, período de férias judiciais.

A defesa do antigo líder socialista alegou que “o julgamento do recurso foi objetivamente subtraído a todos os juízes das secções criminais da Relação de Lisboa que em setembro de 2016 tinham precedência sobre a Senhora Juíza Relatora e que no dia 8 de agosto não estavam de turno”, lê-se no documento.

Os advogados de Sócrates defendiam ainda que houve um erro na forma como o recurso foi distribuído a juízes que legalmente não o poderiam receber.

Pedro Delille e João Araújo defendiam, assim, que este erro levantava “suspeitas sérias de manipulação” em relação à composição dos juízes que viriam a julgar o recurso.

O TRL admitiu ter-se tratado de um “lapso”, mas que em nada influenciou a decisão final, uma vez que, contrariamente ao que era argumentado pela defesa de Sócrates, a distribuição do recurso abrangeu os juízes das secções criminais que estivessem ou não “escalados para turno de férias”, tendo sido respeitado o princípio da aleatoriedade.

Polémica com Rui Rangel

Dos 38 recursos apresentados, José Sócrates conseguiu vencer apenas um, em outubro de 2015. Com essa vitória, o ex-primeiro-ministro conseguiu pôr fim ao segredo de justiça interno e, consequentemente, ter acesso a documentos e testemunhos do processo. Este recurso teve como juiz relator Rui Rangel, o homem que recebeu o último recurso de Sócrates. Este documento pede novamente a nulidade dos atos processuais e o fim do inquérito por ainda não ter sido estabelecido um prazo final para a acusação.

Tal como o i avançou na semana passada, o MP apresentou um pedido de escusa deste juiz. De acordo com um comunicado emitido pela Procuradoria-Geral da República, esta decisão foi justificada com o facto de “existir motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do magistrado judicial”.