Dois mil e dezassete será um ano decisivo para os povos europeus. Para todos sem exceção. Do norte, do sul, do oeste e do leste. E para os seus países, os seus Estados e também para as suas segundas pátrias. Neste ano vai estar em causa quase tudo o que é importante para o continente europeu. Os seus desafios, as suas oportunidades e os seus perigos são muitos. O “planeta” Europa da democracia demoliberal, da separação de poderes, da independência dos poderes judiciais, do Estado social, dos direitos humanos e conexos terá em 2017 muitos testes (que não só eleitorais) para fazer e ultrapassar. Dependendo das circunstâncias nacionais e das expetativas políticas e económicas, sem exagero, poderemos afirmar que tudo pode acontecer.
Contra a corrente dominante do politicamente correto e do mediaticamente correto, a Europa e as suas instituições formais são cada vez mais um anão político e um gigante económico com pés de barro porque, na prática, só uma pequena elite é que considera que os problemas e os perigos que vivemos são normais e fazem parte do processo de crescimento.
Tal e qual alguma elite americana que achava impossível que a narrativa e o poder da sociedade aberta e da visão americana da ordem mundial liberal seriam colocados em causa por um meteorito eleitoral como Donald Trump, na Europa vaticinam o mesmo em relação a desafios semelhantes. Mas enganam-se. Porque na nossa Europa estamos bloqueados. Direi até silenciosamente zangados e muito revoltados. Às vezes, todos os dias e todas as semanas, com tudo e com todos.
Por razões simples de sintetizar. Austeridade sobre austeridade. Incerteza de curto e médio prazo. Insegurança com mais insegurança. Perda de valores de vida em prol de radicalismos não só religiosos mas também laicos. Perda de identidades e de sentimentos de pertença. Etc. A Europa, “farol do mundo”, como lhe chamou em tempos o ex-Papa Bento xvi, é cada vez mais uma miragem.
O redescobrimento dos neonacionalismos europeus tem alimentado cada vez mais o poder das segundas pátrias e é uma consequência de como o projeto europeu foi conduzido nas últimas décadas. Com base num projeto excessivamente burocratizado, legalista, centralizador, laico e radical no que diz respeito à secundarização de diversos valores de vida que estiveram na base da construção das várias identidades, das primeiras e segundas pátrias, dos Estados e nações europeus.
A sua colocação de iure e de facto, na prática, numa espécie de modo de dispensabilidade para a construção e solidificação europeia alimentou e tornou larvar, no que diz respeito, às segundas pátrias, a sua condição de revolta patriótica, cimentada por uma espécie de apelo ao património de modo nacionalista extremista. Que se alicerça em narrativas e programas em que a independência, a soberania, o poder das identidades, a razão dos Estados-nação, a recuperação de valores de vida tradicionais, a rejeição e até o ódio ao que é diferente e vem de fora são o seu alimento não só eleitoral, mas também de conquista de influência junto das opiniões públicas. Muitas vezes dispensando os media (novos e velhos) e procurando mergulhar diretamente no buraco negro que são as redes sociais, onde a mediocridade e o generalismo imperam. Não podemos, pois, em 2017 deixar de ter presente o que se vai passar na suposta grande pátria Europa. Mas sobretudo em primeiras pátrias como a Alemanha, a França, a Holanda, a Itália. E também a Inglaterra. Mas talvez até mais importante do que algumas destas primeiras pátrias é ter presente o que irá acontecer em segundas pátrias, como a Escócia, a Flandres, a Catalunha e outras como a Baviera, atualmente alemã.
O efeito de dominó das repercussões do que por lá vier a acontecer ditará muito do que vai suceder ao cada vez mais cinzento “projeto europeu”. Que vive a fazer lembrar algumas famílias aristocráticas, que com paredes vazias, talheres de plástico e pianos sem teclas ainda comem caviar e bebem champanhe, mesmo dormindo muitas vezes no chão, sem cama e colchão. E tal é ilustrativo até nas nações indispensáveis (como a Alemanha e a França). Agora imaginemos nas nações dispensáveis. Ainda por cima quando o novo presidente americano, o meio alemão e meio escocês Donald Trump, em nome do seu país, põe em causa que os EUA continuem a ser o chapéu militar e tecnológico dos europeus e do Estado social garantístico (que, recorde-se, só existe em parte porque os europeus deixaram de gastar dinheiro em defesa após a queda do Muro de Berlim). Tendo presentes erros diplomáticos e militares graves, como foram os casos das desastrosas decisões e intervenções no Médio Oriente, em países como a Líbia, a Síria e outros. Bem nos foi recordando nos últimos anos Henry Kissinger quanto à necessidade de acabarmos com a unipolaridade europeia e ocidental, sobretudo de cariz normativo, político e militar.
Escreve à segunda-feira