A morte voltou a 23 de Fevereiro

A morte voltou a 23 de Fevereiro


De dia 9 de Janeiro a 23 de Fevereiro desse ano amaldiçoado de 1943, nem a memória foi curta. Depois da queda do avião da BOAC (British Overseas Aairways Corporation), seguiu-se o desastre com um Clipper da Pan-Am.


Passavam pouco minutos das 18h30, o céu estava sujo de chuva, o ar abafado de trovoadas, a visão estreitava-se.

O Yankee Clipper era um hidroavião gigantesco, com quatro motores, mais de 40 toneladas, que inaugurara, quatro anos antes, os voos intercontinentais Europa-América.

Nunca até aí tinha tido problemas.

A aeronave que, nesse dia, se aproximava do Aeroporto Marítimo de Cabo Ruivo fizera escala nas Bermudas e nos Açores.

Acenderam-se as luzes para a sinalização. O aparelho deu a primeira volta e fez-se a respectiva comunicação, preparando-se a segunda volta, para amarar.

De repente, o Clipper inclinou-se brutalmente sobre o seu lado direito, tocando com a asa na água e começando de imediato a afundar-se. Uma onda enorme levantou-se no Tejo em frente a Alcochete. O impacto foi terrível!

Rapidamente se puseram a funcionar os mecanismos de salvação. Vários bombeiros de muitas corporações de Lisboa deslocaram-se imediatamente para a zona do incidente. Chegaram a terra 14 passageiros, todos com ferimentos.

Braços e pernas partidos. Hipotermia.

Havia muito a fazer.

O comandante Sales Henriques, da Polícia Marítima, coordenava as operações.

Durante a noite, os destroços iam surgindo junto às margens, do Caramujo ao Alfeite: malas, coletes de salvação, pedaços do hidroavião da Pan-American Airways.

Um cadáver apareceu na praia de Paço d’Arcos.

Três motores foram retirados das águas. A cauda do aparelho foi arrastada para a doca de Santa Apolónia.

Corpos iam sendo descobertos. Dois estavam presos numa asa. Um homem ainda com vida foi levado para o Hospital de São José. Não aguentou.

O necrotério de Lisboa fervilhava de um movimento desusado.

Das 39 pessoas que estavam a bordo no momento em que o Yankee Clipper se despenhou, só duas saíram completamente ilesas: o primeiro secretário da delegação dos estados Unidos em Portugal, William Butterworth e Ivet harnie Silver, uma conhecida actriz do cinema e da rádio que se lamentava de ter perdido o seu casaco de peles. Tivera de o despir para poder nadar até Alcochete.

Aliás, esse voo da Pan-Am trazia para a Europa uma série de artistas em digressão: Hellen Ross, Jane Rognan (o marido morreu no desastre), Gipsy Mariahoff, Grace Dyedade… Todos internados, tal como o comandante Sullivan, o oficial Brunner e o engenheiro Manning.

24 passageiros morreram.

Depois da tragédia do Golden Horn, surgia outra muito maior.

O Tejo já não tinha memória para guardar o nome de todas as suas vítimas.