“As redes sociais são a peste de hoje. O seu veneno espalha-se como a peste, destrói como a peste, mata como a peste.” Miguel Sousa Tavares
Wim Wenders vaticinou que o século xxi iria ser o século da imagem. Em que a imagem iria ser rainha no audiovisual, nos novos media, naquilo que viriam a ser (e são atualmente) as redes sociais. Tudo através da intermediação de conteúdos informativos que iriam ter uma forte componente de atratividade e perceção, por via da imagem em movimento, dos clipes, dos vídeos, das fotos, etc. Mas, como outros profissionais do audiovisual, Wim Wenders clamou que a imagem iria assumir-se como instrumento maior da intermediação social, política e mediática, associada ao som e ao ruído. E à rapidez com que ambos, coligados, iriam conseguir intermediar conteúdos no espaço público, mediático e até na internet. Ele e outros que procuraram antever alguns fenómenos sociais na sua relação com o cinema e com o mundo do audiovisual, verificando alguns dos seus impactos, devem atualmente colocar as mãos na cabeça, onde quer que se encontrem, ao olhar à sua volta, percebendo o quanto tudo isso tem ido longe demais, caucionando novas ignorâncias. Sim, novas ignorâncias, que são filhas de uma espécie de uma nova categoria humana em que a videovida, a vida medíocre e “despida” em direto, amplia a crise de valores das nossas sociedades contemporâneas, nestas como noutras matérias pouco inclusivas e pouco plurais. Antes pelo contrário. Sociedades onde o homovídeo é o portador do vírus de vários dos seus males. Numa sociedade que não respeita nem valoriza o silêncio. Numa sociedade que se alimenta do superficial, de tudo o que é “rapidinho”, generalista e que tem de acontecer “no agora”. Numa sociedade que acomoda em modo alucinado quase tudo o que é viral e propaga através da ideologia do anonimato e da cobardia a calúnia, a infâmia, a boataria e a informalidade mentirosa do “diz que diz”. Já para não falar da falsa sensação do que é viver-se mediocremente em direto.
Já recentemente ouvi, como pai de três rapazes, alguns já adolescentes, de jovens da sua idade coisas do género: deveria ser uma chatice e perda de tempo, no seu tempo antigo, não terem internet, nem redes sociais, para fazerem trabalhos e estudarem terem de ler tantos livros, ir a bibliotecas, demorarem tanto tempo para fazer as coisas; a vossa vida social devia ser uma seca; etc., etc.
Estes e outros comentários são para mim muito reveladores. Do poder das novas ignorâncias. E dos seus efeitos negativos. Das ilusões que alimentam entre dois mundos, o mundo real e o mundo fictício em que julgam que vão viver a vida toda. E, ao mesmo tempo, a responsabilidade que se nos impõe de não aderirmos a esta espécie de ideologia do acomodamento social de que a modernidade e o progresso se fazem, irão fazer-se, com as redes sociais e com tudo o que lhes está diretamente associado, como causas e sobretudo como consequências, nomeadamente substituindo valores de vida como o mérito, o trabalho, a qualidade, o rigor, a verdade. Não. Temos de combater este poder das (novas) ignorâncias. Tudo isto contra a chico-espertice, o esquema, o generalismo, a mediocridade, a ignorância. É que estas novas ignorâncias são muito piores que as antigas. Porquanto se alimentam e sobrevivem muito da soberba, da arrogância e da cegueira, das verdades definitivas. Dissimulando-se como vírus por um espaço onde, enquanto seu habitat natural, é difícil serem combatidas eficazmente. Até porque a natureza humana é fraca e gosta mais do fácil do que do difícil, que dá trabalho.
Para as democracias contemporâneas, de base demoliberal, compatibilizar estas novas ignorâncias, como temos percebido, não está a ser fácil. Antes pelo contrario. Os resultados estão à vista. E têm também muito que ver com a crise da participação política, com a crise nos partidos políticos, com a transformação do discurso político e sobretudo com a perda de qualidade dos próprios sistemas jurídico-políticos. O mesmo sucedendo com alguns dos desafios que se colocam aos media (novos e velhos) ao nível da sua deontologia e do seu papel institucional na concretização quotidiana da defesa do Estado de direito democrático e da correspondente defesa da catalogação e do cardápio dos direitos, liberdades e garantias. Mas tudo isso fica para outras núpcias. Porque o poder das novas ignorâncias tem sido e será cada vez mais causador de muitos males do tempo e das sociedades em que vivemos. Até porque a ignorância alimenta-se desde sempre da inveja e da mediocridade.
Escreve à segunda-feira