Estou um bocado cansado de contar esta história.
Quatro de outubro de 2015. Pedro Passos Coelho torna-se o primeiro líder europeu a ser reeleito depois de um resgate e o primeiro chefe de governo português a cumprir um mandato em coligação. Foi também o único primeiro-ministro na história desta República a não ficar no cargo depois de cumprir esse seu primeiro mandato. Ganhou, mas não ficou. E não ficou porque António Costa apresentou uma “maioria” parlamentar “estável e duradoura”. Ou, pelo menos, assim o afirmava.
Vieram os críticos: esta solução está condenada ao desacordo e ao fracasso económico. Pessimistas, atirava-se de volta. Arautos da desgraça, dizia-se. Apátridas, sedentos de novo resgate eram eles.
Vieram Orçamentos do Estado, o PCP e o Bloco de Esquerda aprovaram. Vieram metas europeias para o défice, o governo do Partido Socialista cumpriu. Um milagre nacional! António Costa e as suas capacidades de negociação ultrapassaram expetativas. Extrema-esquerda, Europa e padrinhos de casamento com avenças do Estado! Festa!
Mas não. Não há milagre; não há descrispação, nem há paz social, nem estabilidade.
Diz Vítor Bento, que costuma perceber de números mais que a maioria, que sem o programa de quantitative easing do Banco Central Europeu já estávamos numa pré-falência similar à de 2011, orquestrada pelo eng.o José Sócrates. As taxas de juro chegaram, aliás, aos 4% de Sócrates pela primeira vez desde essa data. Mas deve ser pura coincidência porque, se economicamente podíamos estar pior, politicamente estamos mesmo na maior.
Pedro Passos Coelho é um fascista que quer Portugal bombardeado por mísseis nucleares alemães. António Costa é a reencarnação goesa de Jesus Cristo.
É por isso que as posições conjuntas que sustentavam a autoproclamada maioria parlamentar podem ser violadas à vontade que nem o senhor Presidente da República pia, nem os partidos que as assinaram mugem. É por isso que temos um João Galamba que diz que os juros a que nos financiamos não têm nada a ver com os governos, mas um Mário Centeno que diz que os juros são culpa do governo anterior. É por isso que temos um executivo sem legitimidade eleitoral ou parlamentar e o regime prossegue.
A dívida aumentar 9,5 mil milhões de euros num ano também é coisa natural, do estilo estar a chover. Um governo socialista não ter investimento público faz parte. Um partido defensor do Estado deixar que um banqueiro do privado escreva a lei que se lhe aplicará também é, como dizia o outro, peanuts.
Pedro Nuno Santos gabar-se de nunca mais precisar da direita para governar na mesma semana em que acusa a direita de não apoiar uma proposta do governo faz, claro, todo o sentido. Um primeiro-ministro mandar um líder da oposição ao diabo em vez de responder a uma pergunta é tradição antiga da Assembleia da República.
Considerarmos que um ex-primeiro- -ministro que foi preso, sendo agora suspeito de receber milhões de um outro banqueiro, e que nenhum dos seus ministros tinha a menor ideia do que se passava durante anos é, obviamente, tranquilo. Que esses ministros estejam hoje noutro governo é até recomendável.
Os hospitais e as escolas estarem piores do que quando estávamos em resgate também não interessa.
O que interessa é que ganhámos o europeu de futebol, o Soares morreu e apertámos todos as mãozinhas uns aos outros, Guterres saiu do pântano para as Nações Unidas, o Ronaldo ganhou a bola de ouro, o Benfica vai em primeiro no campeonato, Marcelo vai à praia no inverno e a mulher do Trump veste bem.
O resto, que se dane. Era só o nosso futuro.