Um ano de Marcelo, um ano de bloco central


A popularidade do executivo é a popularidade de Marcelo Rebelo de Sousa. O que quer dizer que já há um bloco central: é o de Marcelo a governar com o PS de António Costa


Conheci Marcelo Rebelo de Sousa no verão de 2015, num concerto na baía de Cascais. Na verdade, esta coluna já o contou. Tocavam os HMB e o ainda comentador vestia o fato que entretanto virou farda: azul com gravata da mesma cor e uma camisa branca. Embora ainda não fosse candidato, isso vinha a tornar-se óbvio. Afinal, quem iria de fato e gravata a concertos numa praia sem querer ser Presidente da República?

Já todo o jornalista de política em Portugal o escreveu: Marcelo Rebelo de Sousa não tem nada a ver com o PSD de Pedro Passos Coelho. Nos costumes, onde Passos é liberal, Marcelo é católico; na economia, onde Marcelo é agora progressista, Passos é novamente liberal no sentido de liberdade – não no sentido português, insultuoso.

Até na relação com o exercício do cargo e com o povo, Marcelo e Passos são opostos. Onde Passos é de uma coerência quase tecnocrata de tão pouco eleitoral, Marcelo é de uma proximidade quase populista de tão eleitoral. Não são sequer faces de uma mesma moeda. Onde um é conta-poupança, o outro é um cheque em branco cuja validade de cobertura ninguém sabe – e aqui não é preciso nomear quem é qual.

Este contraste tem um ponto. É que, dos quase dois milhões e meio de cidadãos que elegeram Marcelo Rebelo de Sousa à primeira volta, no ano passado, muitos fazem parte dos quase dois milhões que votaram em Passos Coelho, meses antes, para primeiro-ministro. Com o acentuar de diferenças, o crescendo de picardias e o clima de cumplicidade com o governo socialista, Marcelo não só mantém a distância do PSD como não abdica da simpatia do PS. Quando nos diz que quer Passos e Costa até ao fim da legislatura, quere-o porque essa estabilidade lhe é favorável a um apoio de todo o arco de governação para as próximas presidenciais. Isso cheira a unanimidade histórica, e há quem viva para esse cheiro.

É outra das coisas que todos os jornalistas de política neste país já escreveram. O Presidente preferiria o bloco central, mesmo que essa solução de governo seja impossível com os mesmos líderes que viveram a geringonça.

Poderá até parecer incoerente dar a mão a António Costa, o homem que rompeu com o centrão, mas intimamente ambicionar o “seu” PSD a governar com o agora “seu” PS. O outro ponto que vinha escapando é que Marcelo tem ambos.

Costa governa minoritariamente com o beneplácito da Presidência, umas migalhas para a esquerda e o desprezo pela oposição. Haverá governo mais dependente do Presidente que o seu? Nenhum. Marcelo tem os votos que o Partido Socialista não teve, o povo com que a esquerda não pode discordar e o PSD que Passos não pode largar, ou seja, tudo aquilo que garante estabilidade ao executivo de Costa. A popularidade desse executivo é a popularidade de Marcelo Rebelo de Sousa. O que quer dizer que já há um bloco central: é o de Marcelo a governar com o PS de António Costa.

Esta é uma opção. Pouco simpática para o atual líder do seu partido, que levou com uma bancarrota em cima e ainda saiu de São Bento por vencer, pouco simpática para algum do seu eleitorado, que é militante de um partido que lidera a oposição, e pouco simpática até para si próprio.

É que esta cumplicidade toda com o PS só poderá ser recordada como conivência quando os senhores da reserva federal norte-americana subirem a taxa de juro, os senhores do Banco Central Europeu cortarem a mama, a DBRS nos deixar a chuchar no dedo e o dr. Costa fizer uma marcha de vitimização contra os mercados, Bruxelas e tudo o que lhe for alheio menos Nossa Senhora, que este ano vem cá o Papa. Aí, sim, quero ver. Se a campanha de Costa roçou o populismo quando estávamos bem em 2015, quando formos ao chão outra vez há de rebentar a escala. E Marcelo fará o quê? Em eleições não há blocos centrais. A responsabilidade também será dele.

Eu, à direita, cada vez menos me arrependo de ter dado um voto a Marisa Matias, na senda de que a Presidência deve ser pessoal e apartidária.

Ao contrário de Maria de Belém, sem gancho, de Sampaio da Nóvoa, sem nada, e de Marcelo Rebelo de Sousa, a querer tudo, Marisa tinha duas coisas essenciais no Palácio de Belém: seriedade e institucionalismo. Apesar de não concordar com ela em nada, pelo menos sei do que estou a discordar.

Saudades? Tenho.

De Cavaco Silva.

 

Escreve à sexta-feira