O eucalipto é uma árvore de grande valor económico mas que, em contrapartida, cria ao seu redor uma acentuada desertificação, empobrecendo os solos e impedindo outro tipo de flora de se desenvolver, sendo, além disso, altamente combustível, o que gera às vezes incêndios difíceis de controlar.
Um eucalipto de grande porte é capaz de desenvolver raízes que vão buscar água a mais de 30 metros, o que dá bem uma ideia da sua influência circundante. Pois com o Presidente Marcelo dá-se mais ou menos a mesma coisa, mas na política.
Um ano depois da sua eleição na sequência de uma campanha tão inédita como triunfal, Marcelo confirmou–se como o elemento de referência permanente, causando uma erosão nas influências ao seu redor.
Estando fisicamente em todo o lado e falando constantemente, e normalmente com acerto e pedagogia construtiva, o Presidente da República atingiu os píncaros da popularidade mediática, embora, em termos de país real, não deva fazer muita diferença de Eanes, Soares, Sampaio ou Cavaco nos primeiros tempos dos seus mandatos, quando também tinham uma aceitação brutal.
Mas Marcelo tem outra vivacidade e empatia (mesmo mais que Soares) numa conjuntura diferente e ineditamente favorável, até por contraposição ao final do mandato do seu antecessor direto. Até agora, tudo o favoreceu. Ele foi o governo Costa e a sua geringonça distendida. Ele foi a economia a dar sinais aparentemente inesperados de saúde com um inédito controlo do défice. Ele foi o Europeu ganho por Portugal. Ele foi a eleição do seu amigo Guterres na ONU. E ele é as menções a um Portugal de sucesso e turístico em que até a Web Summit, que na prática pouco mais foi do que um “cassual-friendly happening” turístico, apareceu como um sucesso.
Marcelo tornou-se a nossa referência coletiva e ainda bem que assim é. Soube construir e impor equilíbrios num contexto em que a sua intervenção constante é apaziguadora e pedagógica, embora prestando-se por vezes a uma confusão entre a função de Presidente e a de chefe do governo, conforme esteve patente na entrevista positiva que deu domingo à SIC. Ali ficou ainda mais óbvio que Marcelo absorve a água quase toda e deixa à míngua as outras espécies. A exceção é António Costa que tem sido outro eucalipto, de porte mais pequeno mas que se vai desenvolvendo, embora com menos pujança do que o outro, que até o acarinha.
Pelo menos tem sido esta a situação até agora, mas há perigos internos e externos. Bem ou mal (provavelmente mal, pelo tema que escolheu), Passos Coelho decidiu romper a pacatez político-social e passar à oposição declarada sempre que o ignorarem, tentando transformá-lo na muleta das falhas de acordo do governo com os seus parceiros parlamentares. Ainda no plano interno, os tempos de mar chão também podem acabar porque o Bloco já não se contenta com vitórias em temas fraturantes e retomou uma agenda mais radical, como renegociar a dívida à força e sair do euro, apesar de proclamar que não haverá crise na legislatura. Por seu lado, o PCP, através da CGTP, está claramente também a agitar as águas. Além disso, é ano de autárquicas, que podem fazer mossa em todos os partidos.
Externamente, o que aí vem também é perigoso: a imprevisível administração americana, as investidas de Trump e Putin contra a NATO, o drama dos refugiados, a ameaça exponencial do terrorismo islâmico, o agravamento da tensão israelo-árabe, a guerra da Síria, a violência político-religiosa no Iraque, no Afeganistão e na Turquia, o louco da Coreia do Norte, o Brexit, a evolução económica potencialmente negativa na Europa e a estratégia do BCE, as eventuais ruturas eleitorais em França e na Alemanha, a crise da Itália e da Grécia, os nacionalismos do leste europeu e a relação do Ocidente com a China. A isto soma-se, no espaço lusófono, o abandono da CPLP pelos responsáveis políticos respetivos, começando no nosso ministro Santos Silva.
Eleito há um ano, temos agora um Presidente de pendor executivo, como se viu na entrevista à SIC. Por isso, se houver, de facto, uma alteração negativa da evolução económica e política interna ou externa, é natural que a popularidade do chefe do Estado possa ser afetada por algum fogo. É assim também com os eucaliptos, que são normalmente pasto das chamas, sobretudo se a mata não estiver limpa ao seu redor, coisa de que Marcelo tem cuidado particularmente bem. Não admira, portanto, que o Presidente tenha expressado o desejo de que não haja incêndios na legislatura, nem no governo e respetiva base de apoio, nem na oposição. Veremos se tem também essa sorte, que é coisa que nunca o abandonou e que soube sempre chamar a si magistralmente.
Jornalista