Atalhos e bifurcações


A minha geração será a “X”, o que me coloca naquela encruzilhada da vida em que se começa a desconfiar do futuro, a combater a ideia da finitude e a embalar a nostalgia da mocidade com o engrandecimento do “meu tempo”


Se este escrito fosse uma missiva para as chamadas gerações “Y” e/ou “Z” (quanta pretensão), faria três ressalvas. Primeira: não sei bem se existem arquétipos geracionais, mas os estudiosos dizem que sim e eu vou encontrando tendências e traços. Segunda: desconfio das generalizações, e é preciso dar o desconto a agrupamentos de indivíduos sob um manto de características comuns. Terceira: a minha geração será a “X”, o que me coloca naquela encruzilhada da vida em que se começa a desconfiar do futuro, a combater a ideia da finitude e a embalar a nostalgia da mocidade com o engrandecimento do “meu tempo”. Ainda assim, atrevo-me a uns apontamentos sobre “Y” e “Z”, sobretudo na perspetiva da sua relação com o trabalho. Não são críticas, menos ainda ensinamentos do alto da confortável meia-idade, são apenas perplexidades e tentativas de compreender (se é que as “gerações” se podem compreender umas às outras).

Os “Y” e os “Z”, além de serem jovens (só por si um mar de vantagens e desvantagens), estão mais bem apetrechados para lidar com a velocidade, a globalidade e a tecnologia – a santíssima trindade do mundo moderno. Têm consciência social, sensibilidade às diferenças, flexibilidade, abertura ao mundo. São rápidos e dinâmicos. Nada disso me causa perplexidade. Mas há outras coisas que dizem que eles são, e que, muitas vezes, me parece que são, que me intrigam e, confesso, preocupam, seja na dimensão intelectual e afetiva de querer compreender, seja na dimensão utilitária de quem, como eu, trabalha e lida com eles.

Procuram no trabalho um feedback imediato. Procuram nele essencialmente realização e satisfação, ou mesmo excitação. Gostam muito de diversidade e de experimentar. Enfatizam o equilíbrio entre o trabalho e a vida. E outras coisas, mas fiquemos por estas, que já são suficiente motivo de dúvida e de indagação. Diz-me a experiência que o feedback raramente é imediato, e que quando é quase nunca é sólido. Diz-me ela, também, que o trabalho, mesmo quando temos a felicidade de fazer o que gostamos, gera satisfação, realização e excitação, mas nem sempre, e que existe ao mesmo tempo uma grande dose de sacrifício, rotina e desapontamento, e que não há verso sem reverso. E o que é isso do equilíbrio entre trabalho e vida? Qual é a medida do equilíbrio? E não é o trabalho parte essencial da vida, sobretudo em profissões onde temos que meter as mãos de uma forma intensa e onde os outros dependem muito de nós? E julgo que é difícil fazer bem e chegar longe sem constância e persistência, sem fazer, errar, repetir, cair, levantar, fazer de novo. E temo que isso não seja compatível com muita diversidade, com experimentar, mudar, variar. Os atalhos raramente levam a um bom destino, e as bifurcações implicam estar sempre a começar de novo. Não é verdade que o artesão só pode aspirar a mestre depois de um longo, dedicado e laborioso caminho de tentativa e erro? Pode-se aspirar na vida a ser mestre rapidamente? E a sê-lo em mais do que numa coisa?

 

Escreve à sexta-feira