E para a caloira não vai nada, nada, nada? TUDO!


O mais aliciante deste nosso encontro foi ter percebido como a A. está no início de tudo: soube há pouco tempo que tem cancro e vive neste momento aquela louca fase inicial de ser “convidada” a fazer todo o tipo de exames


O meu dia de ontem começou da melhor maneira.

Às nove horas da manhã encontrei-me com uma futura Careca Power que entrou agora para este mundo nada elitista do cancro. Apesar de não nos conhecermos (aviso: mesmo tendo esta mania de marcar encontros com estranhos, não me apanham no Tinder que eu sou uma mulher comprometida), fui cravar-lhe um café, com a certeza de que iria encontrar alguém que valeria a pena ter na minha vida.

Há quem esteja acostumado a gabar- -se dos carros que tem na garagem, do dinheiro que se junta na conta ou dos engates infalíveis conseguidos na noite, e eu costumo gabar-me de não ter pessoas-frete na minha vida e de conhecer as mais incríveis. Essa é a minha riqueza, a minha mania, a minha sorte. Não que nunca tenha conhecido gente que não interessa a ninguém – já conversámos sobre isso –, mas aprendi a confiar na minha intuição e a saber estar só com quem quero estar. Isso levou-me, naturalmente, a muitos desconfortos sociais e a algumas vergonhas – como é normal para quem ignora algumas regras coletivas e desmarca encontros ou programas simplesmente porque “sentiu que não deveria ir”… mas isso não interessa nada. Afinal, esta aventura empírica tem sido a razão de me considerar uma miúda feliz. Sinto sempre que estou onde devo estar e não há nada mais libertador.

Voltando ao meu encontro.

Sorridente, bem-disposta e depois dos cumprimentos iniciais, a A. começou por dizer-me (porque alguém tinha de o fazer):

“Marine, tens aí creme na cara.” E pronto. Foi ver-me a pôr cuspo no dedo e a limpar a face, toda atrapalhada, com a certeza de que agora, sim, tinham sido feitas as verdadeiras apresentações. “Muito gosto, sou a Marine, a aselhice em pessoa.” Rimo-nos disso, rimo-nos durante toda a nossa conversa, onde, claro, o tema cancro surgiu – porque sendo o cancro um gajo sociável que gosta de juntar pessoas, foi ele que nos apresentou – e a conversa fluiu naturalmente, como acontece sempre que a empatia surge.

O mais aliciante deste nosso encontro foi ter percebido como a A. está no início de tudo: soube há pouco tempo que tem cancro e vive neste momento aquela louca fase inicial de ser “convidada” a fazer todo o tipo de exames, ganhando aos poucos uma ideia do processo que irá viver. No fundo, a A. é uma caloira (está ainda a enturmar-se, a tirar as primeiras impressões do IPO, a decidir se engraça ou não com a médica e a tentar perceber como raio veio parar aqui e qual é o caminho a escolher), e eu a madrinha de praxe a quem ela confiou alguns conselhos e ideias (só não a levarei para os bares para a embebedar, apesar de ser enorme a probabilidade de a A. acabar a vomitar na mesma).

Percebi, ao longo da nossa conversa, que me tinha sido dada a dignificante oportunidade de acompanhar este início de ciclo. É incrível saber que alguém confia no projeto Cancro com Humor, que confia em mim e se predispõe a ser vulnerável e verdadeira com uma pessoa que nunca viu na vida, sobretudo agora que está prestes a tornar-se uma Careca Power oficial.

A A. disse-me que não está com medo e que apenas se sente um pouco assustada por trilhar um caminho novo. Nada de muito aflitivo porque não está, de todo, paralisada pelo medo. “É mesmo isso, é mesmo isso”, disse-lhe, “não te deixes dominar pelo medo e tudo acabará por se tornar obrigatoriamente mais fácil.”

Bem, o que a A. não desconfia é que nessa manhã, antes de ir ter com ela, a primeira coisa que eu disse, num desabafo mundano, foi exatamente isto, “tenho medo de não conseguir”. Sim, referia-me a medos triviais do dia-a-dia ao falar do projeto e de planos para ele, e antes mesmo de começar o dia já apelava a um medo resultante de uma insegurança patética. Mas depois saí de casa para te ir conhecer, ouvi-te a dizer que não tens medo (deste-me uma chapada daquelas) e fizeste-me decidir que também não tenho.

Acabo este texto a dizer-te que não coloco a hipótese de te falhar. Vais gramar um cancro e uma Marine, e desejo-te a melhor sorte do mundo para ultrapassares o desafio mais difícil – o segundo. Garanto-te: só ficarei feliz quando estivermos as duas a beber um copo numa esplanada, a relembrar o nosso primeiro encontro, tu já com o teu novo cabelo e com esse teu sorriso gigante.

 

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