Soares tem uma biografia política associada à surpresa.
O Jornal i falou com Filipe Santos Costa, jornalista do Expresso e autor do livro que acompanhou toda a candidatura na primeira fila. A Última Campanha editado e esgotado em 2006 foi reeditado agora pela Matéria-Prima Edições com o título O Último Combate; a expressão com que o próprio Soares batizou a sua derradeira candidatura – «porventura o meu último combate».
Segundo Santos Costa, Soares «levava os jornalistas ao desespero» por não conceder soundbites. «Estava tudo à espera de um ataque a Cavaco e ele preferia contar histórias da 1.ª República, que eram, no fundo, a História de Portugal e um bocado da sua própria história».
«Soares achava que, apesar da esquerda estar dividida na primeira volta, conseguiria obrigar Cavaco a uma segunda volta e aí vencê-lo ou até mesmo que a sua candidatura inibiria Cavaco de avançar. Nenhum dos dois cenários aconteceu» e como é sabido Cavaco Silva foi eleito Presidente da República com mais de 50% dos votos.
Mas, para Filipe Santos Costa, a campanha valeu por outras razões. «Quando percebeu que se encaminhavam para um resultado desastroso, Soares assumiu a campanha como ‘sementeira de ideias’ e pegou em temas que não eram típicos de campanha mas que considerava importantes», esclarece o autor.
«O discurso contra o neoliberalismo e a economia de casino estava lá, mas também a defesa do multiculturalismo e do diálogo inter-religioso como caminho para a paz, a preocupação em conciliar o Estado social europeu com contas sustentáveis, a responsabilidade para com os imigrantes que ‘vinham fazer um país melhor’; são tudo temas que na altura pareciam ao lado, mas que hoje são muito atuais», aponta.
Santos Costa lembra que Mário Soares «parecia mais à vontade a falar com jovens do que com pessoas da sua idade». «Os mais velhos às vezes diziam que ele devia era ir para casa, não gostavam de se confrontar com um homem com tantos anos carregar uma campanha às costas sozinho», contempla. «Toda aquela campanha era o Mário Soares – genuíno e ‘ao natural’ – e dez anos depois parece fazer todo o sentido que a tenha feito assim». Dez anos depois, a derrota nas urnas sobrevive, como vitória nas páginas que a recordam.