A política no seu esplendor negativo


Costa e Marcelo terão de inventar uma solução-milagre para pôr o gado da concertação social na ordem, visto que ele se tresmalhou, enquanto Passos sofreu um forte golpe com o comentário contundente de Marques Mendes


1) O que se passou à volta do suposto acordo de concertação social (que não existiu na realidade) foi um exercício de cinismo e “taticismo” que demonstra como as forças políticas e sociais pretendem obter uns cobres ou uns pontos nas sondagens à conta da população, que tratam como um grupo de tansos.

O oportunismo esteve em todo o lado. Primeiro no governo e no PS, que atiraram areia para os olhos dos portugueses ao proclamar que o suposto acordo permitia um aumento do salário mínimo, mas omitindo o mais possível que um terço do sobrecusto voltava a ser financiado pela Segurança Social, utilizada sob o pseudónimo de TSU. Ao mesmo tempo ignoraram que na concertação não estão representados os partidos parlamentares.

Patrões e sindicatos conluiaram-se, uns por causa do subsídio da TSU e outros por prebendas laterais. O Bloco e o PCP, que são parceiros do governo, desvincularam-se oportunisticamente porque, tal como Costa e o PS, acharam que o PSD nunca os acompanharia se levassem o assunto ao parlamento. Isto porque foram os sociais-democratas e o CDS que inventaram a solução de aumentar os mais mal pagos à conta do erário público.

Esqueceram-se que, na política, coerência é coisa que se gasta pouco. E assim sendo, Passos Coelho não hesitou em fazer o contrário do que já praticou, anunciando que votará ao lado do bloco “marxista-leninista-trotskista”. Conhecendo–se Passos, não vai ser fácil demovê-lo, apesar das pressões do PSD, de patrões, da UGT e do próprio Marcelo. De pouco ou nada vale ter lembrado a Passos que no ano passado, na mesma circunstância, o PSD se absteve no parlamento, anulando o Bloco e o PCP. Também não colhe a recordatória de que um líder da oposição tem de pôr o país antes do seu interesse partidário. No estado a que as coisas chegaram, um recuo de Passos Coelho seria para ele uma emenda pior que o soneto.

O que deve valer para resolver o imbróglio e descobrir a quadratura do círculo será a habilidade negocial de António Costa e o óbvio apoio de Marcelo, a fim de se arranjar uma solução, por mais esdrúxula que seja, remediando um problema que Vieira da Silva e Correia de Campos também não previram. Afinal, o gado tresmalhou-se. Mas o bom pastor vai aparecer de certeza, até porque, em apenas 12 horas, Marcelo promulgou o decreto do governo que dá corpo ao acordo que agora pode ser inviabilizado no parlamento.

2) A grande pancada política em Passos Coelho no caso TSU veio de Marques Mendes. Mendes lembrou a circunstância de, no ano passado, o PSD se ter abstido no caso TSU, enquanto este ano tenciona votar ao lado do Bloco e do PCP. Mas, mais que isso, importou o tom em que Passos foi posto em causa e a séria advertência de que este terá sido o seu maior erro, tratando-o de cata-vento e juntando depois uma referência à errática estratégia para a candidatura autárquica a Lisboa. Há comentários que não enganam. Marques Mendes rebentou politicamente com Passos depois de muita tolerância benévola por parte de alguém muito próximo de Marcelo. Fica-se até com a sensação de que pode ter havido recentemente algum petisco que correu mal lá para os lados de Belém. A cara tensa de Passos quando se recusou a comentar Mendes também dispensa comentários.

3) Há dois meses, Rodrigo Gonçalves era um dirigente concelhio do PSD pouco conhecido dos jornalistas. Hoje é um nome citado por ser quem convidou Passos Coelho a candidatar-se a Lisboa e a assumir uma atitude de coragem política à Sá Carneiro ou Santana Lopes, sendo também um dos primeiros a lembrar–se da hipótese Moniz. Já se percebeu que não conseguiu convencer Passos, mas deu um contributo para o PSD não ir a reboque de uma coligação liderada pelo CDS de Assunção Cristas, por muita qualidade que ela tenha. Num momento em que a política se faz mais no estilo rastejante, Rodrigo Gonçalves mostrou ser uma exceção.

4) A história do Novo Banco é capaz de acabar ainda pior do que o filme de terror que foi a gestão ruinosa de Salgado e quejandos. Estes, estranhamente, continuam a não ser acusados pela justiça, apesar de peças laudatórias, sucessivamente publicadas em semanários de referência, mostrando a grande competência de juízes, procuradores e investigadores dos crimes. Depois do que aconteceu nos bancos portugueses (naufrágios do BES, BPP, BPN, Banif e Caixa Faialense, e graves problemas noutros, como a CGD), a que se somam as falhas do Banco de Portugal e CMVM, talvez só haja uma solução: inibir os nacionais portugueses de serem banqueiros em instituições nacionais, porque é cada cavadela, uma minhoca. Já quando estão a trabalhar para estrangeiros (cá ou lá fora) dão boa nota de si. Trabalhamos bem, mas organizamos mal. É o nosso ADN.

 

Jornalista