A emigração de enfermeiros estancou em 2016 e a ordem acredita que a explicação não está só na recuperação da economia. No ano passado pediram a documentação necessária para deixar o país 1614 enfermeiros, menos mil do que no ano anterior, o que dá uma descida de 40%. O número é até inferior ao que se registou em 2011 – ano da chegada da troika – e isto depois de, nos últimos anos, terem emigrado 12 670 enfermeiros, mais de 2500 por ano.
O balanço ficou fechado esta semana e foi fornecido ao i pela Ordem dos Enfermeiros, que emite as declarações de habilitação de que os enfermeiros precisam para exercer lá fora.
A bastonária, Ana Rita Cavaco, acredita que a insistência da ordem para que fossem contratados os enfermeiros necessários ao Serviço Nacional de Saúde se reflete neste indicador: “A contratação aumentou muito graças ao trabalho da ordem. Todas as semanas ligo para o gabinete do ministro a dizer onde há uma rutura iminente e isso traduziu-se em maior contratação, depois de anos em que praticamente nada aconteceu”, sublinha a bastonária. “Tínhamos situações em Lisboa, Portalegre, Santarém ou Santiago do Cacém, onde havia uma insegurança tão grande por falta de enfermeiros que era impossível ter serviços abertos nestas condições.”
Segundo as contas da tutela, só até setembro do ano passado foram contratados mais enfermeiros para o SNS do que em todo o ano anterior. Tinham então sido emitidas 2555 autorizações de contratação aos diferentes serviços públicos. A bastonária diz que é preciso ter cautela com os números e argumenta que muitas das novas entradas vieram substituir contratos precários de pessoas que já estavam no sistema ou profissionais de baixa.
Cavaco admite que tenham entrado de novo no SNS “menos de mil” enfermeiros, numa altura em que a proposta da ordem é que o Estado contrate 3 mil por ano ao longo da próxima década, a começar já este ano. O saldo, diz, é ainda assim melhor do que nos últimos anos. “O objetivo não é que a emigração pare, pois essa será sempre a opção de alguns. Mas, nos últimos anos, a maioria das pessoas que saiu não foi por opção, e queremos ter serviços seguros. Temos um rácio de enfermeiros por mil habitantes que é dos mais miseráveis da Europa, atrás de países como Estónia ou Letónia”, refere Ana Rita Cavaco.
O rácio em Portugal é de 6,1 enfermeiros para mil habitantes, quando a média da OCDE é de 9,1. Mas este nem foi o pior desequilíbrio detetado nos últimos meses pela ordem. Ana Rita Cavaco lembra casos denunciados publicamente, como turnos com apenas um enfermeiro para 30, 40 e até, num serviço, 56 doentes. “Encontrámos coisas perfeitamente aberrantes que nem mesmo nós, que viemos da prática, tínhamos ideia de que a situação estava tão má”, diz a bastonária, referindo-se à sua equipa, eleita há um ano.
Conselheira nacional do PSD, Ana Rita Cavaco garante que teve a mesma postura crítica durante o programa de ajustamento, quando o seu partido era governo. “Não há nada que eu hoje diga que não tenha dito nesse período”, frisa, referindo-se às reuniões do partido.
Passado o aperto financeiro, a bastonária sublinha que a falta de enfermeiros nos serviços públicos é um problema que se arrasta há anos e resulta do baixo financiamento da saúde no país. “É preciso definir prioridades. Temos de definir se queremos investir o nosso dinheiro a salvar instituições financeiras ou a tornar sustentável o SNS.”
Quanto ao fenómeno da emigração, Ana Rita Cavaco admite que nada garante que a tendência não torne a inverter-se, até porque o recrutamento internacional persiste. Quem está lá fora admite que há menos colegas portugueses a chegar, mas defende que, mesmo que estejam a abrir mais vagas em Portugal, as condições ainda estão a anos-luz do que se pratica nos locais onde trabalha. E, por isso, muitos não têm ainda planos para voltar.