Todos os títulos são injustos


Com quase 70 anos de vida política, não se poderá deixar de reconhecer a coragem com que Mário Soares sempre disputou todos os seus combates.


Combates em tantas frentes que parece pouco fiel à sua memória o ensaio de planificação da sua história em ideias de consumo fácil como “o pai da democracia”, obliterando a complexidade e as contradições que servem para a qualificar.

Soares foi um intelectual e um homem de cultura. Comecemos por lembrá-lo para que se perceba melhor a construção da dicotomia que se estabelece com Álvaro Cunhal – e não com outros – e para que se distinga de outras figuras de menor interesse e densidade que ocuparam os mesmos cargos.

Como se percebeu no dia da morte de Cunhal, a sua relação nunca ficou resolvida.

Na maior parte dos manuais de histórias para cabeças moles, Soares ficará como quem travou a ameaça do comunismo no pós-25 de Abril. Para os comunistas, ele será o responsável por não ter havido uma aliança PS-PCP rumo ao socialismo, nuns moldes tão abertos como os que Cunhal enunciava a 9 de março de 1975 no 1.o Encontro Nacional da União da Juventude Comunista: “Há alguma diferença de interesses entre um jovem trabalhador comunista e um jovem trabalhador socialista? Não há qualquer diferença de interesses.

Os trabalhadores são os mesmos e, bem vistas as coisas, os seus objetivos de classe são os mesmos e as suas aspirações são as mesmas.” Esta relação que a direção do PCP sempre foi tentando no decorrer daquele período contrastava com a vontade de Soares e do PS de se irem afastando desse caminho para o socialismo.

Ao invés, nos últimos anos, terá ocorrido o processo contrário.

Soares manteve-se ativo em movimentos de cariz unitário e, sempre que desencadeados por si ou pelas suas gentes, não descurava o contacto com o PCP. A última vez que o vi presencialmente foi, no final de 2013, na sessão “Em defesa da Constituição, da Democracia e do Estado Social”. Os termos em que se referia à União Europeia, à questão da soberania ou da banca já estavam longe de ser o que o afastava do PCP.

Soares construiu uma história densa e complexa. Pode ter sido o político português com maior elasticidade ideológica e, por isso mesmo, não será enquadrável num título qualquer.

 

Escreve à segunda-feira


Todos os títulos são injustos


Com quase 70 anos de vida política, não se poderá deixar de reconhecer a coragem com que Mário Soares sempre disputou todos os seus combates.


Combates em tantas frentes que parece pouco fiel à sua memória o ensaio de planificação da sua história em ideias de consumo fácil como “o pai da democracia”, obliterando a complexidade e as contradições que servem para a qualificar.

Soares foi um intelectual e um homem de cultura. Comecemos por lembrá-lo para que se perceba melhor a construção da dicotomia que se estabelece com Álvaro Cunhal – e não com outros – e para que se distinga de outras figuras de menor interesse e densidade que ocuparam os mesmos cargos.

Como se percebeu no dia da morte de Cunhal, a sua relação nunca ficou resolvida.

Na maior parte dos manuais de histórias para cabeças moles, Soares ficará como quem travou a ameaça do comunismo no pós-25 de Abril. Para os comunistas, ele será o responsável por não ter havido uma aliança PS-PCP rumo ao socialismo, nuns moldes tão abertos como os que Cunhal enunciava a 9 de março de 1975 no 1.o Encontro Nacional da União da Juventude Comunista: “Há alguma diferença de interesses entre um jovem trabalhador comunista e um jovem trabalhador socialista? Não há qualquer diferença de interesses.

Os trabalhadores são os mesmos e, bem vistas as coisas, os seus objetivos de classe são os mesmos e as suas aspirações são as mesmas.” Esta relação que a direção do PCP sempre foi tentando no decorrer daquele período contrastava com a vontade de Soares e do PS de se irem afastando desse caminho para o socialismo.

Ao invés, nos últimos anos, terá ocorrido o processo contrário.

Soares manteve-se ativo em movimentos de cariz unitário e, sempre que desencadeados por si ou pelas suas gentes, não descurava o contacto com o PCP. A última vez que o vi presencialmente foi, no final de 2013, na sessão “Em defesa da Constituição, da Democracia e do Estado Social”. Os termos em que se referia à União Europeia, à questão da soberania ou da banca já estavam longe de ser o que o afastava do PCP.

Soares construiu uma história densa e complexa. Pode ter sido o político português com maior elasticidade ideológica e, por isso mesmo, não será enquadrável num título qualquer.

 

Escreve à segunda-feira