‘Take the long view’

‘Take the long view’


David Simas é um lusodescendente que trabalhou com Barack Obama nos últimos 10 anos na Casa Branca. Conselheiro político do Presidente dos Estados Unidos cessante, foi o convidado de Vítor Gonçalves no programa Grande Entrevista (RTP) desta semana.Vale a pena ouvi-lo.


Simas fala português fluente (ao longo de toda a entrevista foram raras as exceções em que teve de recorrer a termos ou expressões em inglês) e define-se como um homem de 46 anos, filho de emigrantes portugueses oriundos dos Açores, normal, com valores normais, de dedicação à família e à causa pública («serviço público»). Com autenticidade, espontaneidade e simplicidade absolutamente extraordinárias (e nada normais em lado algum do mundo, nem infelizmente em Portugal).

Vítor Gonçalves – «Os seus pais certamente sentem um grande orgulho por saberem que entra todos os dias na Casa Branca (para trabalhar com o Presidente dos Estados Unidos)».

David Simas – «Sim, como sentem orgulho na minha irmã, que trabalha numa televisão em Boston, Massachussetts, ou na minha filha, que acaba de entrar na Universidade de Columbia, Nova Iorque» (V.G. – «Uma das mais prestigiadas do mundo»).

O pequeno trecho é revelador da humildade de um dos mais próximos colaboradores do homem mais poderoso do mundo na última década.

Alguém que revela um enorme orgulho, nele próprio, por ser exemplo para todos os emigrantes («portugueses ou não portugueses») de que o ‘sonho americano’ ainda existe, «é real», «é possível».

É preciso trabalhar, estudar, ter espírito de sacrifício e «ter sorte». E pensar na família, nas gerações passadas e nas gerações futuras, para que os filhos e netos possam ter uma vida melhor.

Para muitos, o sonho americano é simplesmente ter uma casa, «uma casa para a família», um sítio onde a família possa estar e «viver em segurança». Ou é a educação, a instrução, para que as gerações vindouras («a geração seguinte ou duas depois») possam ter acesso ao que os pais ou avós não puderam ter.

David Simas, conselheiro político, entende que ao fim de 10 anos de Casa Branca deve ter férias e dedicar-se a outras atividades profissionais «como uma pessoa normal», mas não esconde que pensa um dia voltar à política. Porque gosta de serviço público, porque quer servir o povo e o país que lhe deram as oportunidades que deram, e a seus pais e a seus filhos.

É democrata e, além de colaborador, um admirador de Obama e de Michelle.

De Michelle, por ser «autêntica». E pelas suas qualidades enquanto mulher, mãe e empreendedora de ações e causas sociais.

De Obama, por ser «um dos melhores Presidentes da história dos Estados Unidos da América», por ter sido aquele que («com Roosevelt», após a Grande Depressão de 1929) herdou a liderança dos destinos do país numa gravíssima situação económica, financeira e social, por manter-se sempre calmo (sem euforias nem depressões) mesmo nas situações mais difíceis, por deixar a América melhor para quem vem a seguir, por ter uma visão de futuro e não se preocupar apenas com os problemas do dia-a-dia ou do dia de amanhã, mas com as implicações e consequências de todos os seus atos e decisões para daqui a cinco, 10 ou 20 anos – foi aqui que usou a expressão inglesa «take the long view»: temos que olhar para o futuro, pensar no futuro, fazer o futuro.

David Simas acompanhou a visita presidencial de Obama a Portugal. E recordou um episódio em particular: no final da tradicional conferência de imprensa no Palácio de Belém, Obama pôs-lhe o braço sobre os ombros e, virando-se para os jornalistas, disse-lhes: «Este é o David Simas, português e americano que é meu assessor político na Casa Branca». No regresso a Washington, Simas conta que perguntou ao Presidente «por que fez aquilo?» e que Obama lhe respondeu: «Porque quando fui ao Quénia (país de origem de seus ascendentes), também quis dar essa alegria à minha família».

V.G. – «Como é Obama, como são as suas conversas com Obama?»

D. S. – «São normais. A primeira coisa que faz é perguntar-me pela minha família, pela minha esposa, pelas minhas filhas».

David Simas deixa a Casa Branca a 20 de janeiro.

Diz-se que vai trabalhar na Fundação Barack Obama.

Os ‘Homens do Presidente’, com as suas jogadas de bastidores, as guerras táticas políticas, económicas e a guerrilha da informação, do marketing e da propaganda, dos lóbis e dos interesses afinal não são todos como as personagens das séries e dos filmes que inspiram jovens turcos sem escrúpulos ou só mal formados e de ambição desmedida.

Ele há pessoas simples e com valores que, apesar de muitos dizerem que pertencem ao passado, continuam absolutamente essenciais para o futuro… melhor. Como David Simas.

Curiosamente, a semana termina com uma outra entrevista, esta no DN, em que o primeiro-ministro indiano dá o seu homólogo português como «um exemplo do dinamismo da diáspora indiana». Diz Narendra Modi sobre António Costa: «Como primeiro chefe de Governo de origem indiana na Europa, estou confiante que o seu sucesso será fonte de grande inspiração para muitos outros».

A Aldeia Global em que vivemos tem, de facto, coisas muito interessantes.

Porque este mundo é cada vez mais uma ervilha que muito poucos sabem bem cozinhar sem deixar levantar fervura.