Bastou um ano – 1972 – para que John Berger se afirmasse como uma das mais influentes vozes da sua geração. Foi nesse ano que publicou “G.” e “Modos de Ver” (lançado em Portugal no ano de 2006 pelas Edições 70), as suas duas obras maiores, pilares de um olhar e de uma forma de estar que o afirmaram como autor de referência para críticos e historiadores de arte. John Berger morreu na noite de segunda-feira, em Paris, segundo confirmou no seu Facebook a Alfaguara, sua editora em Espanha: “É com grande tristeza que nos despedimos hoje de John Berger, autor de ‘G’ e da trilogia ‘Into Their Labours’, entre tantos outros títulos memoráveis. Para nós foi uma honra ter a ocasião de editar as suas obras em castelhano. Até sempre, mestre.” Já ontem, María Fasce, diretora literária da Alfaguara, disse ao jornal espanhol “El País” que os seus livros “não se assemelham a nada, mas antes assumem as mais diversas formas”.
Ensaísta, novelista, argumentista e crítico de arte, John Berger dedicou-se sobretudo a explorar a relação entre o indivíduo e a sociedade, a cultura e a política. Dizia de si próprio que era um homem que escrevia a partir das suas próprias experiências e que era capaz de ir ao fundo de si, mesmo que esse exercício se revelasse extremamente doloroso. Quis ensinar os outros a olhar a arte de uma forma que ainda não tinha sido explorada. Em 2011, numa entrevista à BBC2, disse que, no seu coração, se via apenas como um contador de histórias.
Nasceu a 5 de novembro de 1926 em Stoke Newington, Londres, no seio de uma família de classe média. Aos 16 anos trocou a St. Edward’s School, em Oxford, pela Central School of Art, em Londres. Mas em 1944 viu-se obrigado a abandonar os estudos para servir no exército inglês. Dois anos mais tarde regressou aos estudos na Chelsea School of Art.
Foi como artista plástico que deu os primeiros passos mas, pouco depois, abraçou a escrita, primeiro como crítico de arte, no jornal “New Statesman”. Em 1956 escreveu o primeiro romance, “A Painter of Our Time”, editado em 1958.
Em 1962 trocou Inglaterra por França num autoimposto exílio, movido pelas suas posições políticas. Marxista assumido – doou metade do prémio do Booker a um braço inglês dos Black Panthers -, diz que foi este posicionamento que o ajudou a entender a história e o ser humano. Dez anos mais tarde, no tal ano de 1972, John Berger passou de artista bem- -sucedido – mas de nicho – a fenómeno, com o lançamento das suas duas obras fundamentais. “G.”, a história de um Don Juan em pleno período pré-i Guerra Mundial que progressivamente troca o fascínio pelas mulheres pelo compromisso político, valeu-lhe o Booker Prize. Já “Modos de Ver”, simultaneamente uma série da BBC e um livro de ensaios, critica a tradicional estética ocidental, questionando as ideologias ocultas nas imagens e a forma como devemos aprender a ver, numa assumida crítica a “Civilisation” (1969), de Kenneth Clark, que assumia o olhar oposto. Mas, para Berger, “a arte do passado já não existe tal como existiu outrora. A sua autoridade perdeu-se. Surgiu, em seu lugar, uma linguagem de imagens. O que importa agora é saber quem usa essa linguagem e com que fim”.
Veio a Portugal duas vezes: a primeira, em 2002, para a estreia do espetáculo “Dog Art”, que o teatromosca montou a partir do romance “King – A Street Story”; a segunda, em 2015, quando o Lisbon & Estoril Film Festival o homenageou com uma exposição e um ciclo que incluiu a exibição da série “Modos de Ver”, bem como de alguns dos filmes que escreveu para o cineasta suíço Alain Tanner.
Dias antes de completar 90 anos disse ao “Observer”: “A maneira como observo vem-me naturalmente, sou uma pessoa curiosa. Sou como o vigia, aquele tipo no navio que faz pequenos trabalhos, como atirar carvão para a caldeira; não sou de todo um navegador, sou absolutamente o oposto. Deambulo pelo barco, encontro os meus postos e limito-me a olhar para o oceano.”