Este ano diga bom dia


Passei grande parte da minha infância na Beira Baixa, em concreto entre o Castelejo e o Valpalaio, terra dos meus avós e do meu pai.


Era habitual nas férias grandes, julgo que para grande parte da minha geração. Por norma, um mês de férias no Algarve e os restantes dois algures com os avós. No meu caso, invariavelmente era na terra: a mítica expressão do “vou para a terra”!

Guardo boas recordações desses tempos. Sobretudo a sensação de liberdade. Éramos livres na terra. Podíamos vaguear pelos cabeços em torno da aldeia, passear de bicicleta (ou de mota com um ou outro vizinho mais arisco que arriscava a condução sem carta), tomar banho na ribeira (e até água dela beber), colher fruta pelos campos, andar de pressão de ar a apanhar pardais (nunca acertei em nenhum) e, claro, desfrutar das incomparáveis festas de verão.

Por vezes, ainda consigo sentir os cheiros dessas festas. Desde os churrascos ao sempre inconfundível cheiro da pólvora do fogo-preso, que era também o momento mais aguardado da festa.

Era em tudo diferente a vida na aldeia. A começar pelo “bom dia” que incansavelmente repetíamos ao passar pelas pessoas com quem nos cruzávamos. Em rigor era coisa a que não ligava, até porque já nesse tempo, em Lisboa, falar a estranhos era algo em desuso. Mas na aldeia era uma obrigação. Lembro-me claramente de a minha avó Conceição dizer: “Tens de dizer ‘bom dia’ às pessoas.” Não entendia bem porquê, mas cumpria. Aliás, se não o fizesse, corria o risco de não falar a um primo ou um tio, e isso sim, era um sarilho!

A verdade é que até tinha piada. De quando em vez, após um “bom dia”, trocavam-se dois dedos de conversa. Bom, mais ou menos; na prática, choviam perguntas na minha direção: “És o neto do Alfredo, não és?” Ou então: “O teu avô António e a tua avó Piedade, como estão?”
E eu lá ia respondendo, meio envergonhado, mas consciente do dever cumprido. Era imperativo falar às pessoas.
Inspirado nesta nostalgia de infância, este ano decidi dizer bom dia. Ou melhor, dizer mais vezes. Não de forma descontrolada, obviamente, até porque só daria ar de tonto. Mas decidi tentar ter uma atitude mais humanizada e menos mecanizada. 

Exemplo prático: no elevador do centro comercial. Aquele momento impessoal em que, quando se entra, está tudo com ar de elevador. Experimentei um “bom dia!”. Mas de forma afirmativa, confiante e calorosa. Entre caras de espanto e de indiferença, houve uma pessoa que sorriu e retorquiu: “Bom dia!”
Garanto-vos que não saímos da mesma forma que entrámos naquele elevador. Não custou nada, rigorosamente nada. Este ano decidi não me refugiar no telemóvel em locais públicos. Decidi olhar para as pessoas e dar os bons- -dias a quem se cruze comigo. 

Pode até parecer conversa de início de ano, mas confesso--vos que entrei cansado em 2017. Estamos cada vez mais desumanizados, cada vez mais individualistas. Não custa partilhar um sorriso, um “bom dia” ou um comentário com o estranho ao nosso lado. Sei que, de início, pode parecer estranho, mas experimentem. Vão ver que mal não faz! Tenham um bom dia e um excelente 2017!

Escreve à quinta-feira
 


Este ano diga bom dia


Passei grande parte da minha infância na Beira Baixa, em concreto entre o Castelejo e o Valpalaio, terra dos meus avós e do meu pai.


Era habitual nas férias grandes, julgo que para grande parte da minha geração. Por norma, um mês de férias no Algarve e os restantes dois algures com os avós. No meu caso, invariavelmente era na terra: a mítica expressão do “vou para a terra”!

Guardo boas recordações desses tempos. Sobretudo a sensação de liberdade. Éramos livres na terra. Podíamos vaguear pelos cabeços em torno da aldeia, passear de bicicleta (ou de mota com um ou outro vizinho mais arisco que arriscava a condução sem carta), tomar banho na ribeira (e até água dela beber), colher fruta pelos campos, andar de pressão de ar a apanhar pardais (nunca acertei em nenhum) e, claro, desfrutar das incomparáveis festas de verão.

Por vezes, ainda consigo sentir os cheiros dessas festas. Desde os churrascos ao sempre inconfundível cheiro da pólvora do fogo-preso, que era também o momento mais aguardado da festa.

Era em tudo diferente a vida na aldeia. A começar pelo “bom dia” que incansavelmente repetíamos ao passar pelas pessoas com quem nos cruzávamos. Em rigor era coisa a que não ligava, até porque já nesse tempo, em Lisboa, falar a estranhos era algo em desuso. Mas na aldeia era uma obrigação. Lembro-me claramente de a minha avó Conceição dizer: “Tens de dizer ‘bom dia’ às pessoas.” Não entendia bem porquê, mas cumpria. Aliás, se não o fizesse, corria o risco de não falar a um primo ou um tio, e isso sim, era um sarilho!

A verdade é que até tinha piada. De quando em vez, após um “bom dia”, trocavam-se dois dedos de conversa. Bom, mais ou menos; na prática, choviam perguntas na minha direção: “És o neto do Alfredo, não és?” Ou então: “O teu avô António e a tua avó Piedade, como estão?”
E eu lá ia respondendo, meio envergonhado, mas consciente do dever cumprido. Era imperativo falar às pessoas.
Inspirado nesta nostalgia de infância, este ano decidi dizer bom dia. Ou melhor, dizer mais vezes. Não de forma descontrolada, obviamente, até porque só daria ar de tonto. Mas decidi tentar ter uma atitude mais humanizada e menos mecanizada. 

Exemplo prático: no elevador do centro comercial. Aquele momento impessoal em que, quando se entra, está tudo com ar de elevador. Experimentei um “bom dia!”. Mas de forma afirmativa, confiante e calorosa. Entre caras de espanto e de indiferença, houve uma pessoa que sorriu e retorquiu: “Bom dia!”
Garanto-vos que não saímos da mesma forma que entrámos naquele elevador. Não custou nada, rigorosamente nada. Este ano decidi não me refugiar no telemóvel em locais públicos. Decidi olhar para as pessoas e dar os bons- -dias a quem se cruze comigo. 

Pode até parecer conversa de início de ano, mas confesso--vos que entrei cansado em 2017. Estamos cada vez mais desumanizados, cada vez mais individualistas. Não custa partilhar um sorriso, um “bom dia” ou um comentário com o estranho ao nosso lado. Sei que, de início, pode parecer estranho, mas experimentem. Vão ver que mal não faz! Tenham um bom dia e um excelente 2017!

Escreve à quinta-feira