As últimas pinceladas estão a ser dadas e do antigo tom rosado já só restam fotografias. Num exercício de “resgate da verdade”, as tais últimas pinceladas tentam recriar as alvenarias do Palácio de Queluz tal como seriam aquando da sua construção, recuperando, acreditam os investigadores, o azul original.
A primeira grande fase das obras de recuperação do espaço – que se iniciou em janeiro de 2015 – está praticamente concluída. O projeto de recuperação – que custou cerca de 600.000 euros – inclui a reabilitação dos jardins, das coberturas do Pavilhão Robillion (que ardeu em 1934) e da Sala de Jantar. Os vãos e as cantarias também foram restaurados, mas é efetivamente a cor do palácio que salta, literalmente, à vista dos visitantes.
Desde agosto de 2015 que as fachadas viradas para os jardins superiores retomaram a cor inicial.
Nos últimos tempos, foi a vez de as fachadas viradas para o exterior – entre o Pavilhão D. Maria e o antigo jardim dos Embrechados – se ‘vestirem’ de azul esmalte. A informação, que quem passa por ali constatava com facilidade, foi confirmada ao i pela Parques de Sintra. “Com a conclusão destes trabalhos, o Palácio Nacional de Queluz ficará azul na sua totalidade”. explicou fonte oficial da entidade gestora ao i.
Como tudo aconteceu A história da nova cara do palácio – que mais não é do que a original – (re)começa em setembro de 2012, quando a gestão do Palácio Nacional de Queluz passa para a Parques de Sintra. Na altura o conjunto encontrava-se num “avançado estado de degradação”, descreveu a entidade gestora.
“A cor original do exterior do Palácio tinha sido perdida, apresentando o edifício uma grande diversidade de tons e cores que variavam entre o rosa, o laranja e o amarelo, nos rebocos, e entre tons de verde e de azul, nos vãos”, explicou a Parques de Sintra quando comunicou o início da obra.
No entanto, desde os anos 80 e 90 do século passado que se desconfiava que o tom original do edifício seria o azul, uma vez que tinham sido encontrados vestígios desta cor atrás de bustos, em diferentes fachadas do Palácio.
Nessa altura, foram recolhidas amostras e o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) corroborou a teoria: havia efetivamente, no reboco tradicional de cal e areia, um pigmento azul claro acinzentado.
Saltemos para o século XXI e para outro laboratório, desta vez o HERCULES, da Universidade de Évora. Já a pedido da Parques de Sintra, são realizados novos testes que confirmam a tese do LNEC. “A observação microscópica de grãos angulares de silício e a identificação do elemento cobalto indicaram a utilização de um pigmento feito a partir de vidro moído, como o ‘azul de esmalte’ ou ‘vidro de cobalto’ – pigmento nobre utilizado desde a Antiguidade Clássica até meados do século XIX”, explicou a Parques de Sintra no decorrer do processo.
A história a corroborar a ciência Não foram apenas os laboratórios a confirmar a cor: testemunhos históricos recolhidos acabaram por ir ao encontro da tese.
Uma das primeiras confirmações advém de uma reação do próprio pigmento de vidro moído, que, apesar de ser um recurso usual, é pouco estável ao ser usado em rebocos de cal e vai perdendo as propriedades, tornando-se “pardacento”. Ora foi exatamente este o adjetivo utilizado por um viajante para descrever a cor do palácio, em 1799.
Para além desta descrição, foi encontrado na Torre do Tombo um desenho aguarelado, de um autor desconhecido, que mostra o tom azul das fachadas. Terá sido feito em 1836.
Assim, a Parques de Sintra decidiu que nas obras de reabilitação se iria optar por seguir uma versão o mais fiel possível à original.
As fachadas foram caiadas de forma tradicional, com “cores obtidas a partir de pigmentos de origem mineral, sobre rebocos de cal e areia”.
E a opção pelo tom acabou por revelar-se a mais correta: “Durante a obra foram encontrados mais vestígios de azul e uma moldura original que vieram confirmar os resultados da investigação”.
A empreitada deve terminar, oficialmente, no final desta semana. Mas já pode visitar o palácio que, após tantos anos, voltou à cor escolhida pelos seus arquitetos.
Curiosidade
O conjunto teve diferentes fases de construção e foi mandado erigir em 1747 pelo futuro D. Pedro III. Inicialmente foi pensado como residência de verão da família real, mas acabou por se tornar a residência oficial. Foi habitado em permanência de 1794 até 1807, ano em que a família real foge para o Brasil, na sequência das invasões francesas. A zona mais recente do palácio é o Pavilhão D. Maria, uma ala concluída em 1789. Este espaço é usado desde 1957 como residência dos chefes de Estado estrangeiros em visita oficial a Portugal.