Euro-2016. Eu sei o que fizeste no verão passado

Euro-2016. Eu sei o que fizeste no verão passado


Contra todas as expectativas; contra todas as apostas; contra todas as previsões! Parece que, acima de todos, havia alguém que acreditava no céu: Fernando Santos. Não por acaso reza todos os dias…


Há uma frase fantástica dos velhinhos livros de “cowboys” que gosto de repetir – “Entre os mortos havia um que respirava: Texas Jack!”

É nos lugares mais surpreendentes que nascem os poemas. Ou crescem flores. A verdade é que, por cá, no país triste, ninguém acreditava. Ou já não queria acreditar. Não acreditar é a melhor forma de evitar uma desilusão.

Fernando Santos disse, há pouco tempo, numa entrevista, que reza todos os dias. É, portanto, um crente. E assim sendo foi o primeiro a acreditar que estaria no dia 10 de Julho de 2016, no Estádio de França, em Saint-Denis. Esteve. E o estádio não foi de França, foi português. Uma alegria única, verde e vermelha; uma tristeza azul. Completamente ao inverso do que fora Lisboa em 2004. Estive lá e vi: num lado e no outro. Um mês batalhou a selecção nacional pelo Hexágono. Primeiro em Saint-Étienne, depois em Paris (Parque dos Príncipes), em Lyon, em Lens, Marselha e Lyon outra vez antes de ser de novo e, finalmente, Paris. Uma Volta à França em Futebol com a esperança crescente. E o incómodo de ver uma equipa ser terceira classificada no seu grupo – quando era a grande favorita – mas com isso sair da frente das selecções mais fortes que se foram matando umas às outras até sobrar a França, do outro lado.

Vocês lembram-se do filme? É de 1997. Realizado por Jim Gillespie, tem um título sugestivo e ficou para a história dos clássicos de terror jovem, seja lá isso o que quer dizer. Eu sei o que fizeste no verão passado. Não apenas eu. Toda gente sabe o que eles fizeram no verão passado. Foram campeões da Europa e isso não só não se esquece como se recorda todos os dias. Daria, portanto, uma sequela. Como deu a película de Gillespie. Um título sonhado durante tanto tempo e, de repente, o sonho concretizado talvez quando parecia mais longe do que nunca. Sabemos o que eles fizeram no verão passado: foram únicos, porque esta conquista é única. Haverá outras? O céu pode esperar, mas a paciência agora é outra. Tem raízes fortes nas quais assentar a sua convicção.

A crença! Fernando Santos é um crente e, como tal, levou a sua crença ao ponto de não admitir regressar de França antes do dia 11 de Julho. Apostou e ganhou. Contrariou a descrença e, até, aqui e ali, a chacota dos que acusavam Portugal de jogar mal e porcamente. A verdade é que, subitamente, com um golo da Islândia frente à Áustria no último minuto, o empate (3-3) dos portugueses com os húngaros fez com que a “equipa de todos nós”, como lhe chamou um dia Ricardo Ornellas, um dos mestres do jornalismo desportivo, se qualificasse meio ridiculamente entre os “melhores terceiros”. Eis que Fernando Santos vê a oportunidade onde outros desenhavam a desgraça. Portugal evita a Inglaterra e bate a Croácia nos oitavos-de-final. A partir daí vem a Polónia e ou Bélgica ou País de Gales. Do outro lado da chave, ficavam França, Itália e Alemanha. Um festim de leões.

A equipa bisonha e mazomba que a imprensa (sobretudo a francesa) zurzia sem dó nem piedade foi à final na qual estava destinada a servir de “partenaire” para uma festa em tons de azul. Aos 25 minutos já não há Cristiano Ronaldo sobre a relva de Saint-Denis. Completamente condenados!: era este o sentimento geral. Não o do treinador português; não o dos jogadores que se bateram até à inconsciência por um resultado no qual o mundo não acreditava. Não houve Ronaldo mas houve Patrício e Pepe, e Raphael Guerreiro e Quaresma, e Adrian e William Carvalho e Nani e até um menino chamado Renato Sanches.

E também houve Eder-que-não-marcava-golos a marcar o golo definitivo e irrepetível. Também sabemos o que Eder fez o verão passado. Algo de completamente inesperado naquele momento em que assassinou a França com um remate que ficou para a lenda. Portugal finalmente campeão da Europa! Para lá de todas as suposições, em confronto com todas as previsões. Um momento extraordinário em Paris, no estádio, pelas ruas e pelos boulevards. Uma alegria a vermelho e verde; uma tristeza azul. Até as cores foram a verdade e o seu contrário. Não se esquece!