Costa, Jerónimo, Catarina. Todos em nome da rosa socialista

Costa, Jerónimo, Catarina. Todos em nome da rosa socialista


O apoio do PCP e do Bloco de Esquerda foi a razão de António Costa ter conseguido formar governo. Mas os dois partidos insistem sempre em demarcar-se: o governo é do PS.


O símbolo do PS era um punho vermelho. António Guterres, quando chegou à liderança, fez aquilo a que o marketing chama hoje “rebranding” – deixou de usar o punho vermelho na propaganda socialista, por estar demasiado conotada com um PS mais esquerdista e, com o objetivo de “recentrar” o partido, inventou a rosa como novo símbolo. 
O símbolo da rosa hoje convive com o do punho, apesar do PS ter voltado a ser mais “esquerdista”. 

Agora, a questão que se coloca para Catarina Martins e Jerónimo de Sousa em 2017 é só uma e bem difícil: esgotados que estão já os acordos – ou seja, o governo PS já cumpriu tudo aquilo que foi acordado para que Bloco de Esquerda e Partido Comunista permitissem a chegada do PS ao poder – resta aos dois partidos continuarem a viver “em nome da rosa”. Ou seja, a partir de agora, qualquer pressão será inútil. A versão do governo é que os acordos estão cumpridos e a vontade de renovar os votos – que foi afirmada claramente pelo Bloco de Esquerda, acrescentando mais algumas medidas – foi negada imediatamente pelo PS e governo. 

Daqui a dois dias, este dilema – o do Bloco e do PCP viverem em função da “rosa”, “em nome da rosa” – vai ser explícito na Assembleia da República. Já tinha acontecido a derrota na Concertação Social, em que o governo decidiu ceder aos patrões e diminuir-lhes o valor do pagamento da Taxa Social Única, para fúria da esquerda e da CGTP, que ficou fora do acordo. Agora, na quarta-feira, vão ser discutidas no parlamento algumas alterações às leis laborais, nomeadamente o aumento do número de férias de 22 dias úteis para 25, vindas do Bloco de Esquerda e do PCP. O partido “Os Verdes” – que também apoia o governo, tal como o PCP – decidiu também fazer um projeto-lei a legalizar o feriado de Carnaval. O Carnaval não é feriado nacional – todos os anos, o governo tem que fazer um decreto-lei a permitir a tolerância de ponto. A tolerância só não foi dado pelo governo de Cavaco Silva em 1993, num ato que foi considerado dos mais gravosos para a popularidade daquele governo e, provavelmente, o princípio do fim do sucesso do PSD que perderia as eleições em 1995 para o PS de António Guterres. 

Ora, na quarta-feira, o PS prepara-se para chumbar as alterações às leis laborais vindas da esquerda. O problema é que não serão só estas: António Costa disse ao i recentemente que “tudo o que havia para negociar já está negociado”, mostrando que não existe qualquer margem da parte do governo e do PS para mais cedências à esquerda. 
Vamos entrar nos últimos dois anos da geringonça, que conseguiu aprovar dois orçamentos. Mas seguramente o orçamento de 2018 vai ser mais difícil de aprovar do que os anteriores. Como vão Bloco de Esquerda e Partido Comunista explicar aos seus eleitorados que estão a aprovar um documento que será feito, aparentemente, apenas “em nome da rosa”? 

Recentemente, a seguir à derrota da esquerda na Concertação Social, o deputado e dirigente do Bloco de Esquerda Jorge Costa escreveu um texto duríssimo contra o Governo, acusando-o de ceder ao Presidente da República e à direita. “Ao escolher a companhia da direita, Costa afasta a base política que sustenta o governo”, disse Costa, afirmando que “as medidas da Concertação Social, assumidas ou previstas, podem corroer boa parte do efeito redistributivo e de reposição de rendimentos acordado à esquerda”.

O texto de Jorge Costa é fundamental para compreender os tempos que aí vêm. Se o dirigente do Bloco de Esquerda acredita que o acordo de Concertação Social ataca o âmago daquilo que levou o Bloco a apoiar o governo, temos um problema. 

Tudo vai depender das sondagens: se o eleitorado do BE e do PCP estiver contente com o facto dos seus partidos continuarem a trabalhar na Assembleia em nome da rosa, a coisa aguentará. Mas não é líquido que assim seja: a tentação de António Costa de virar ao centro e de ser simpático para os patrões pode alienar-lhe de facto a base de apoio e aborrecer o eleitorado mais à esquerda. Vai ser um ano dificil para a geringonça e para os partidos que a sustentam.