A oposição ao governo de António Costa apostou no insucesso económico da ‘geringonça’. No caso de esse insucesso suceder – e o Diabo chegar mesmo – seria imperativo que a sua responsabilidade caísse no colo do Partido Socialista e respetivos parceiros.
O álibi da ‘global crise financeira’ que Sócrates puxou em 2009 não poderia resultar para Costa.
Este natal, Pedro Passos Coelho ofereceu-o de mão beijada ao primeiro-ministro, ao dizer: “Não escondemos que temos preocupações e por isso entendemos que um país prevenido se defende melhor perante contingências da situação internacional”.
E pronto, aí está, longa vida ao PS, que em caso de nova crise poderá passar as culpas para o exterior com o beneplácito do homem que lidera o maior partido da oposição. Bravo.
Em Portugal, os partidos mexem-se a dois gasóleos: votos e lugares; e um presume o outro.
No nível interno, as euforias em torno de líderes devem-se a isso. À excitação de que cara conseguirá mais juntas de freguesia, mais vereações, mais deputados eleitos, mais cargos públicos, mais assessorias, mais consultorias externas, mais contactos. No fundo, mais dinheiro do Estado.
É natural porque, como dizem os americanos, people gotta eat.
Os movimentos a que temos assistido no PSD devem-se muito a este fenómeno. Ao receio de que, em caso de desastre eleitoral autárquico, haja menos lugares à mesa no fim do mês mas as mesmas bocas para alimentar.
Os partidos não são só direções nem grupos parlamentares. No caso do Partido Social Democrata, que tem uma tradição de exercício do poder local, as estruturas ainda mais diversas e autónomas são.
Perante um presidente de partido com as sondagens e a popularidade de Passos Coelho, é previsível que o aparelho se ressinta.
Quando o partido com mais lugares no parlamento não apresenta candidatos vencedores em Lisboa e Porto, o cenário veio agravar-se. A tese de que estará tudo bem depois das autárquicas do próximo ano por ser “impossível” conseguir um resultado pior que o de 2013 é, no mínimo, otimista.
A recolha de assinaturas para um congresso extraordinário, noticiada pelos dois maiores semanários portugueses, não vem, portanto, surpreender. O facto de a concelhia social-democrata em Lisboa estar de costas voltadas para a direção de Passos Coelho também não. E a saída do armário de Rui Rio – e dos seus mágicos impostos – também não.
Tornou-se politicamente bizarro escrever sobre a corrida do PSD para a Câmara Municipal da capital a partir do momento em que (1) Passos sabia que Assunção Cristas ia a jogo, (2) deixou-a avançar primeiro, (3) continuou à espera de Pedro Santana Lopes e (4) não conseguiu convencer o Provedor da Santa Casa da Misericórdia que, além do festim, nem descarta recandidatar-se ele próprio à liderança do partido.
O vazio no PSD é tal que a única hipótese ganhadora para Lisboa era um social-democrata que já foi presidente de Câmara, já foi primeiro-ministro e já foi derrotado nacionalmente (contra Sócrates) e partidariamente (em congresso).
Depois da nega de Santana, o vazio tornou a aprofundar-se, na medida em que os nomes que vieram à baila não são propriamente jovens. Morais Sarmento, que assumiu preferir a Câmara Municipal de Lisboa à liderança do PSD, e Marques Mendes, que Passos não tardou em lembrar: “Há três anos continuámos sem ganhar a Câmara de Lisboa, que perdemos quando o doutor Marques Mendes era presidente do PSD”.
Resumindo a saga; não se conseguiu convencer um ex-líder para perder contra Medina e depois responsabiliza-se outro ex-líder por não se ter um candidato que não seja a presidente do CDS.
Gostava de escrever um artigo de opinião sobre aquele que é “o partido mais português de Portugal” e “o partido que ganhou as eleições” sem ser obrigado a utilizar as expressões “ex-líder” ou “antigo presidente”.
Esse vazio de futuro é, todavia, a melhor arma para a manutenção de Passos Coelho. Não há sucessor à sua liderança. Depois de quatro anos de austeridade, um ano de oposição fantasma e um presidente da República que esqueceu o PSD, o partido não tem uma cara para suceder a Passos.
Se é verdade que Montenegro nunca irá contra o atual líder em congresso – até porque metade dos ‘montenegristas’ de amanhã são ainda os ‘passistas’ de hoje – também é verdade que Miguel Relvas apenas promove Luís Montenegro como futuro líder do PSD porque Luís Montenegro deixa que o faça.
O que verdadeiramente me fascinou e me faz questionar se “Passos já desistiu” foi a sua mensagem de Natal aos portugueses. No auge do tempo festivo, o presidente do PSD não abdicou de falar na necessidade de “prescindir de alguma coisa no presente” em nome de um melhor futuro e de referir uma “realidade que nos cerca”.
Eu posso concordar com tudo isto – e concordo, admirando até quem mantém a coerência no meio da savana populista – mas a frontalidade de querer mudar um país necessita de saber com que país se lida. E Portugal quer prendas debaixo da árvore; não quer “prescindir” de coisa nenhuma numa mensagem de Natal.
Escreve à sexta-feira