Muito há a escrever sobre o que se passa no PSD em Lisboa. Felizmente, também há tempo. E muito há a escrever sobre o que se passou em Berlim, Ancara e Zurique nesta semana. Infelizmente, também para isso haverá tempo.
Mas quando a deputada Isabel Moreira vem perguntar no seu artigo semanal “Sabias que és de direita?” e eu não resisto a morenas que tratam toda a gente por ‘tu’ e gostam de política, decidi oferecer-me uma prenda de natal e responder.
Já sabemos, Isabel, isto é sexista. E neoliberal. E a PIDE vem aí.
Diz a senhora parlamentar do Partido Socialista que “para a esquerda, não há valores absolutos e o princípio da liberdade articula-se com o princípio da igualdade”, ao contrário da direita, que “tem no seu património a liberdade como valor absoluto”.
Seria importante esclarecer que interpretação tem a deputada do termo “absoluto”, na medida em que qualquer ação política orientada dogmaticamente por valores absolutos não será uma ação democrática.
À primeira vista, a ‘articulação’ da esquerda e a ‘absolutização’ da direita fariam da primeira mais democrática que a segunda. Esta não é uma linha de raciocínio nova no argumentário da deputada, mas incorre no erro de tratar a direita democrática – que a própria Moreira associa à liberdade – com a direita autoritária, que, como se sabe, não tem nada a ver com liberdade.
Aí, outra ausência de novidade no discurso de Moreira é esquecer que além de direita autoritária também existe esquerda autoritária. Em Portugal, bem mais próxima de nós – e de Isabel Moreira.
Ao contrário do que a deputada defende, a “ponderação entre liberdade e igualdade” não é propriedade da esquerda. É propriedade de qualquer democrata com dois dedos de testa, consoante as vertentes de liberdade e igualdade que Moreira também deixou por esclarecer. Para variar.
Só por ignorância teórica ou demagogia prática é que se condenam as ideologias enquanto portadoras de valores. No caso de Isabel Moreira, vincadamente ideológica, seria mesmo hipócrita.
Pode identificar-se um socialista por primar pela igualdade e um liberal por primar pela liberdade; isso é história da filosofia política, não é uma sentença de crime.
Na sua génese, a única ideologia que abdica de um ideal – não sendo uma ideologia ideacional – é o conservadorismo democrático, que prima por travar qualquer ideologia perante a realidade em vez de impô-la a essa realidade. Daí conservadores flutuarem dentro de cada partido, independentemente do património ideológico que os distinga.
Do meu ponto de vista, a liberdade é particularmente relevante como valor por que é da sua natureza não absolutizar-se face aos restantes; isto é, o livre-arbítrio em si garante que podemos acreditar no que bem quisermos.
Apesar de toda a salganhada tentada por Moreira, há algo mais preocupante e que precisaria de mais que um dicionário para resolver-se.
A deputada afirma que a liberdade de expressão “deve ter limites” e que devemos ter “auto-contenção do discurso”. Coloca então a “liberdade absoluta” como inimiga da “auto-contenção”.
Tal tese ultrapassa a retórica porque a “auto-contenção” só poderá ser “auto” no caso de existir liberdade, ou seria imposta.
Contrariamente ao que Isabel Moreira diz, a liberdade absoluta não é inimiga da “auto-contenção do discurso”. A auto-contenção, aliás, integra a liberdade absoluta por ser uma escolha.
Quem reduz o valor da liberdade de expressão tendo em vista a contenção do discurso está a caminho de recomendar a censura. E convinha à deputada ter a memória menos curta.
Isabel Moreira, que lamenta a morte de Fidel mas critica o regime angolano, que fala pelo pluralismo mas apela ao fim de jornais, que ataca ditadores de ascendência comunista mas defende uma solução de governo com comunistas, que disse que votar no Bloco era votar na direita mas agora anda de braço dado com o Bloco, é deputada.
Estamos conversados sobre a saúde da democracia portuguesa.
Escreve à sexta-feira