Guterres e Ronaldo, orgulho e contradição


Temos as duas figuras mais reconhecidas do mundo na política e no futebol que tanto criticamos. Esperemos que nunca se deixem contaminar negativamente e que se mantenham como exemplos


António Guterres e Cristiano Ronaldo são os dois únicos portugueses verdadeiramente conhecidos à escala planetária, sendo que o jogador ultrapassa largamente o novo secretário-geral da ONU.

A maioria dos portugueses incha de orgulho sempre que um estrangeiro menciona um desses nomes, como sucedia há anos com outros, embora sem tanta ressonância como Mário Soares, Amália, Eusébio ou mesmo Luís Figo, Rui Costa ou Futre.

Se tirarmos o futebol e com a honrosa excepção de Telma Monteiro, não há em bom rigor mais nenhum de nós que seja verdadeiramente conhecido em termos além fronteiras, qualquer que seja a sua área de actividade. Não temos um grande empresário, um prémio Nobel vivo, um realizador, um actor, um cantor, um arquitecto ou um cientista que tenha dimensão planetária, embora –reconheça-se- tenhamos gente de alta qualidade em imensas áreas.

Antes de Guterres, na política, o mais notável que tivemos internacionalmente foi Durão Barroso que presidiu dez anos à comissão europeia e que agora foi acolher-se no Goldman Sachs debaixo de um coro de apupos mundial que lhe retirou o prestígio que ia mantendo. Curiosamente ou talvez não, Ronaldo e Guterres pertencem precisamente aos dois mundos dos quais os portugueses mais desconfiam.

No futebol basta ouvir qualquer programa de comentário para se chegar à conclusão que a esmagadora maioria do tempo é consumido a criticar o sistema, a arbitragem, a denunciar manobras baixas e a insultar árbitros e rivais internos ou externos. De resto, alguma razão há de haver, porquanto entre gritos e apitos vão surgindo no futebol escândalos sucessivos que tanto podem atingir clubes da terceira divisão portuguesa que contam para apostas chineses como os mandões da FIFA e da UEFA, sistematicamente envolvidos em jogadas de corrupção em alta escala, sobretudo quando se trata de comissões para decidir onde se vai realizar um Euro ou um Mundial.

Na política a coisa não é melhor, bem pelo contrário. Em todo o mundo sucedem-se actos criminosos, genocídios, corrupções de toda espécie. Entre nós é precisamente a corrupção em forma de polvo tentacular, a incompetência política e técnica, o cinismo da palavra e a diferença entre o executado e o prometido que levam a que os portugueses achem que, na generalidade, os políticos que temos sejam uma verdadeira corja.

Claro que nem na política nem no futebol as coisas se podem generalizar porque há em ambos gente boa e honesta e reconhecida como tal pela generalidade das pessoas.

Mas há muita coisa feia que se passa à custa das multidões que estão cada vez mais saturadas e descrentes.

Como portugueses e símbolos mundiais que são, o que se pede encarecidamente a Guterres e Ronaldo não são permanentes vitórias políticas e desportivas, mas que sejam sempre dignos do orgulho que colectivamente temos neles e que nunca se deixem contaminar pelo muito de mau que há nas suas actividades, porque isso seria um golpe fatal na nossa auto-estima colectiva que eles também têm ajudado a recuperar.

2) Internamente as figuras do ano são indiscutivelmente quatro. Marcelo Rebelo de Sousa pela sua presidência permanentemente aberta e positiva, embora por vezes excessivamente voluntarista como no caso Cornucópia. António Costa por ter conseguido o impossível em termos de estabilidade política. Fernando Santos pela sua liderança e serenidade à frente da selecção e Telma Monteiro pela persistência e raça.

3) Já Donald Trump não pode deixar de ser a figura do ano em termos mundiais, embora por razões aparentemente nefastas para a estabilidade do planeta. Pelo lado positivo, o exemplo veio, claro, do presidente da Colômbia, José Manuel dos Santos. Negativamente sobressaíram tantos ditadores mundiais e conflitos sangrentos que não cabem no jornal inteiro quanto mais nesta crónica.

4) Segundo o jornal Mirante, o advogado António Gameiro viu recentemente confirmada e agravada pela Relação de Évora uma decisão de primeira instância que o condenava por ter ficado com 45 mil euros de uma sua cliente emigrante na Austrália, respeitante à venda de um apartamento. A relação decidiu que, além de entregar o dinheiro, o advogado tem ainda de pagar mais 10 mil euros à autora. O caso seria apenas um lamentável episódio envolvendo um advogado, se não se desse a circunstância do arguido ser presidente do PS em Santarém e deputado da Nação, qualidade na qual terá certamente assumido um código ético que dificilmente não recomendaria um afastamento do parlamento mesmo que temporário até que tudo se decida em última instância. Outra curiosidade do caso é a circunstância dos jornalistas da política, estejam ou não no parlamento, não interpelarem a liderança parlamentar socialista sobre a situação.