Progressistas ontem, reacionários hoje


Há duas semanas o “i” publicou uma entrevista com o Ricardo Araújo Pereira (RAP) onde o humorista confessava as censuras do politicamente correto e a dificuldade de usar, nos dias de hoje, certos termos em contexto de humor, como “marrecos, coxos e mariconços”. Os ofendidos rapidamente se manifestaram e as reações não tardaram a surgir,…


Há duas semanas o “i” publicou uma entrevista com o Ricardo Araújo Pereira (RAP) onde o humorista confessava as censuras do politicamente correto e a dificuldade de usar, nos dias de hoje, certos termos em contexto de humor, como “marrecos, coxos e mariconços”. Os ofendidos rapidamente se manifestaram e as reações não tardaram a surgir, sobretudo por parte de quem representa a(s) causa(s) das “minorias” visada(s), ainda que se tenha registado uma menor ênfase na defesa de marrecos e coxos.

Coincidência ou não, há algum tempo que revejo “Friends”, a famosa série que conta as aventuras e desventuras de um grupo de amigos que vivem em Nova Iorque. Ainda não terminei este longo processo, mas creio, próxima do desenlace, estar em condições de concluir que os ofendidos por RAP não são apreciadores da série. Perguntei ao Google que rapidamente me a conhecer, pela simples pesquisa dos termos “Friends” e “homofobia”, uma infindável lista de críticas por parte do jornalismo progressista de defesa de micro-causas. Devo dizer, porém, que em vários aspetos, e situada no seu tempo, muitas das críticas são exageradas bastando pensar, por exemplo, na inclusão de uma personagem “gay” numa era pré “Will & Grace”: a ex-mulher de Ross. 

As piadas de Chandler em relação ao seu Pai (que se veste de mulher) e, por exemplo, o desconforto sentido por Ross com a sensibilidade assolapada do “manny” Sandy para tomar conta de Emma, são facilmente consideradas ofensivas e rotuladas de homofóbicas, ainda que a eu ver sejam profundamente inócuas. É por isso que a confissão de RAP ao i me leva a concluir que, nos nossos tempos, esta série provavelmente não teria o sucesso e aceitação que teve em anos idos. 

O que não deixa de ser curioso é que a moderação que os adeptos de certas micro-causas nos impõem, não a praticam no debate público em relação a temas de grande importância para as nossas liberdades. As moderações são seletivas, nem todas as causas merecem da proteção da indignação e do protesto no ambiente dominante. Pelo contrário, há temas em que não ser do mainstream dá direito a ataques ferozes recheados de pré-conceitos. Assim, quem não apoiar Hillary Clinton, e for crítico de Obama, é imediatamente apelidado de “Trumpista”, mesmo que, no mesmo sentido, não tenha qualquer simpatia pelo futuro presidente dos EUA.

 Do mesmo modo, quem considerar Fidel Castro um brutal ditador que condenou o seu povo à fome e ao exílio, é imediatamente confrontado com as malvadezas de Pinochet, caindo num debate ininteligível, ainda que não subscreva nem defenda nenhuma forma de Ditadura.

Muitos gays, que não aceitam nenhuma forma de humor que os parodie, nas suas manifestações exigem usar da crítica e de um humor duvidoso em relação à Igreja Católica que, enquanto instituição milenar, é forçada – e bem – a aceitar todo o tipo de expressões (in)estéticas, como desfiles de freiras transexuais e padres de cabeção e tronco nu. Mas se os padres católicos não têm qualquer espaço de defesa, pior colocados estão os políticos, ou os árbitros de futebol, a quem todas as considerações e piadas são aceitáveis, incluindo as que caricaturam a profissão das mães e as que insinuam tudo o que seja em relação aos seus filhos.

O politicamente correto hoje empobrece o debate, baliza-nos, impõe-nos ofensas selecionadas, exclusivamente definidas pelos novos Torquemadas que, limitando o humor e restringindo o debate aos seus clichés simples, assim se escusam de ter de discutir temas complexos. Certas forças outrora progressistas são hoje, ironicamente, reacionárias, e os principais inimigos da normalização das relações sociais e da tolerância.

 

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