Ricardo Araújo Pereira, Passos Coelho e Eduardo Cabrita


Metade dos que partilharam a entrevista que falava em “negros” e “mariconços” sem qualquer pudor, no dia seguinte chamariam “racista” e “homofóbico” a qualquer tipo que não fosse Araújo Pereira


Ricardo Araújo Pereira, Passos Coelho e Eduardo Cabrita. É um triunvirato bizarro, bem sei, mas tem um porquê.

Na última edição de fim-de-semana do jornal i, Ricardo Araújo Pereira concedeu uma grande entrevista a este diário. Nela, disse coisas como “Hoje não se poderia fazer um sketch sobre marrecos, coxos e mariconços”; “Não poder caricaturar um negro é parente da ideia de não poder cumprimentar um negro na rua” e “Não se pode legislar sobre olhares”, da lei que proíbe piropos na rua.

Num exercício de boa-vontade, gostava de pedir ao meu prezado leitor para imaginar que em vez do humorista mais popular do país, assumidamente de esquerda, estas afirmações haviam sido proferidas por uma personalidade de direita.

“Homofóbico!”, “Racista!”, “Fascista!”, “Nazi!”, “Assassino!” seriam algumas das reações mais que certas, na ínfima hipótese que a dita personalidade de direita continuasse a viver neste país.

Esse duplo padrão tem uma explicação e a culpa da sua existência não é de Ricardo Araújo Pereira, que teve a superior inteligência de confirmar noutra entrevista: “O puritanismo está hoje do lado da esquerda”.

Em Portugal, está mesmo. Tem toda a razão. Por isso é que metade dos pseudo-esquerdóides que gostavam de ter a graça de Ricardo Araújo Pereira partilharam a entrevista que falava em “negros” e “mariconços” sem qualquer pudor, para no dia seguinte chamarem “racista” e “homofóbico” a qualquer tipo que, além de não ser o Ricardo Araújo Pereira, não seja de esquerda.

Mas por que é que o puritanismo – que é como quem diz: a imunidade – está do lado da esquerda?

Em política, é comum lermos que um governo de esquerda tudo pode. Vários analistas, no caso da Caixa Geral de Depósitos, escreveram que se a administração de António Domingues se tivesse passado com um governo do PSD esse governo não teria sobrevivido como o atual. A meu ver, todavia, o fenómeno ultrapassa a governação.

A culpa do puritanismo estar do lado da esquerda, como aponta Araújo Pereira, não é dos tais tontos que gostavam de ser Araújo Pereira, nem sequer da esquerda que se aproveita disso.

Quando o ministro Eduardo Cabrita afirma, também numa entrevista a este jornal, que entre 2011 e 2015 houve um “PREC de direita” em Portugal, devemos apenas rir. Porque Cabrita está a afirmar que o PREC, apoiado nos anos setenta por muita malta hoje do Bloco e do PCP, foi terrível. E porque Cabrita não refere que o período de 2011 a 2015, que foi de facto um desastre, aconteceu graças a um memorando impossível de cumprir, pedido e negociado pelo partido de Cabrita, o PS.

Mas enfim, também não culpo o ministro Cabrita. Culpo Pedro Passos Coelho.

A culpa de a esquerda ter carta branca a nível cultural, social e governativo tem a ver com a relutância da direita assumir que é de direita. Por isso, quando Passos Coelho vem dizer que “o PSD não é de direita” e quando uma das suas vice-presidentes vai para comissões parlamentares pedir aos deputados para se absterem de utilizar duas palavras – “mentira” e “direita” – os meus senhores estavam à espera do quê?

Não entendo como é que um político tão frontal acerca de reformas estruturais para o país é incapaz de tentar mudar o seu próprio partido. Querer mudar Portugal sem querer mudar o PSD é quase esquizofrénico. E não me venham com a conversa da “tradição de pluralismo”; os partidos fazem-se de líderes, não de tendências. Se Passos Coelho não é de direita, para votar na esquerda temos António Costa. Não sendo por acaso que o primeiro-ministro continua a dominar os índices de popularidade e intenções de voto.

Enquanto continuarmos assim, pessoas como Eduardo Cabrita vão continuar a mandar neste país; pessoas como Passos Coelho vão continuar a ser incompreendidas por este país; e pessoas como Ricardo Araújo Pereira vão continuar a ser a única salvação deste país. Pelo riso, já não é mau.

 

Escreve à sexta-feira