Como eram as condições no Vera Cruz?
Abaixo de cão. Os graduados tinham os seus camarotes, mas o porão, onde iam os soldados, era um verdadeiro inferno. Ainda fui lá duas vezes e não consegui ir mais, por causa do cheiro a vomitado. Se não acha graça a três beliches, imagine seis beliches uns em cima dos outros.
Seis andares?
Seis andares de beliches. Houve homens que não podiam quase andar dos enjoos, e eram puxados por cordas, não conseguiam sair de outra maneira. O tempo esteve bom, não apanhámos grandes ondulações, mas aquilo mexe-se tudo na mesma.
E o Cid?
Eu tomei umas pastilhas para o enjoo, se calhar por isso é que não enjoei.
Vi fotografias do Vera Cruz e tinha tudo bom aspeto, com salas bonitas…
Essas partes estavam interditas aos soldados. Os graduados viajavam bem. Tínhamos um camarote para dois ou três e a comida era boa. A dos soldados, péssima.
Como foi a despedida em Lisboa?
A saída eram coisas difíceis de imaginar porque o cais enchia-se de gente, milhares de pessoas. As pessoas despediam-se como se os filhos não voltassem. Havia cenas de histerismo, havia de tudo. Um alferes meu amigo estava muito triste quando o barco começou a fazer a manobra para sair de Lisboa. E eu disse-lhe: ‘Não te preocupes, estás com esse ar, vais ver que os dois anos passam depressa’. E ele responde: ‘Não é isso, é que lá em baixo vi passar uma miúda que conheço, e pedi a um polícia: ‘Sr. guarda, pode olhar-me pelas malas, que eu vou falar a uma pessoa amiga?’. Quando voltou, nem malas, nem polícia, nem nada. Ele era de Viana do Castelo e levava aqueles enchidos e outras coisas boas.
E o Cid, o que levava na bagagem?
Na altura lia muito pocket books, coisas inglesas ou americanas. O fardamento tinha um bolso lateral em cada perna, e eu levava sempre um pocket book em cada bolso. Eram as minhas munições literárias.
E comida?
Levei chocolates da Belleville, que era uma coisa que eu adorava – estragou-me os dentes todos, mas pronto… Alimentei-me durante dois anos a Beleville. Ia para uma missão qualquer, levava duas tabletes no bolso. A minha família estava aqui quase falida de comprar Belleville – mas chegavam lá impecáveis. Nem sequer derretidas com o calor. Depois tentei fazer mousse de chocolate lá, pedi uma receita à minha avó, fui ter com o cozinheiro e disse: ‘Tu vais fazer uma mousse de chocolate. É só leres este papel que a minha avó me mandou’. Fez uma coisa intragável, ficou proibido de fazer mousses, para isso eu preferia o chocolate direto.
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