Um mundo à parte


Lemos “A Casa da Aranha” de Paul Bowles (Quetzal) e fazemo--lo devagar. Há livros assim: tomam conta de nós de uma tal forma, prendem-nos e envolvem–nos num estado de espírito tal que, por muito que queiramos conhecer o seu desenlace, somos forçados a pousá-los de quando em vez em cima da mesa, única e exclusivamente…


Lemos “A Casa da Aranha” de Paul Bowles (Quetzal) e fazemo--lo devagar. Há livros assim: tomam conta de nós de uma tal forma, prendem-nos e envolvem–nos num estado de espírito tal que, por muito que queiramos conhecer o seu desenlace, somos forçados a pousá-los de quando em vez em cima da mesa, única e exclusivamente para os saborear. Sentir o que está dentro daquelas páginas, naquelas linhas. 

O sol quente do meio-dia, a areia que vira poeira com a brisa que vem das montanhas e que anuncia a noite. O som dos grilos e as estrelas apenas apagadas pela luz da lua. A aurora que se anuncia horas antes do nascer do sol e a mudança que isso traz à vida que acorda. A erva seca na terra gretada e a sombra de uma figueira que mata a sede só com o cheiro que exala.

E as pessoas. Fez. Marrocos. A medina suja, imunda, mas de alma limpa, tão bem descrita por Bowles, que se torna marroquino na pele de um miúdo analfabeto mas com cabeça, senso. Ou na de um ocidental que sofre porque é egoísta a forma como ama aquele país, cuja característica que mais aprecia, a capacidade de fruir o presente, é tão delicada quanto a impressão boa deixada por um instante que passa e que não se agarra nem se repete.

A última página com as letras a fugirem defronte dos meus olhos. Acabou. Não há mais. Fecho o livro. Levanto-me e saio para a varanda. A noite está fria. Não me encontro em Fez e aquela gente não existe, mas estão ali, vivas, numa realidade desconhecida mas tão complexa como aquela em que existimos.