Os anos 80 reacenderam a tensão entre os blocos. No lado americano reinava uma estrela de Hollywood, Ronald Reagan, e do lado de lá da cortina, Brejnev, que definhava com problemas de saúde. Viveram-se momentos críticos.
Por sorte, a instabilidade governativa que se seguiu na União Soviética, com duas rápidas sucessões (Andropov e Chernenko), permitiu desanuviar o clima de tensão, confirmando-se o degelo com a chegada ao poder de Gorbatchev que, finalmente, trouxe as reformas e a abertura (perestroika e glasnost) necessárias que conduziram ao fim da Guerra Fria.
Pelo meio, o acidente de Chernobil também contribuiu para esfriar os ânimos. Permitiu ao mundo testemunhar, uma vez mais, o poder devastador do nuclear que, embora de forma acidental, reduziu a pó uma vasta área na Ucrânia. As memórias de Hiroxima e Nagasaki estavam esquecidas, tinham passado 40 anos. Chernobil veio avivá-las e (a meu ver) acordar os líderes políticos para os efeitos que um conflito nuclear traria para o mundo.
Sempre que recordo essa época (entre os meus dez e 19 anos), há uma recordação que, ainda hoje, mexe comigo: “Russians”, a música que Sting lançou em 1985. Não sei se se recordam, mas recomendo que a revisitem. Musicalmente arrebatadora, e a letra e o vídeo brilhantes, Sting, em quatro estrofes, dá-nos uma visão clara da realidade e faz-nos sentir o pavor sufocante que se vivia naquela época.
Pois bem, volvidos cerca de 30 anos parece-me que voltamos a ter um lunático que não mede o alcance das palavras que profere. As dúvidas que ainda tinha a semana passada, quando escrevi sobre as “trumpices”, desapareceram. Trump elege a Rússia como parceiro estratégico no confronto com uma China que é vista como a causa dos problemas económicos da América.
A estrela de reality show, para além de continuar a irritar a República Popular da China, eleva a fasquia e nomeia para a chefe da diplomacia Rex Tillerson (CEO da Exxon), cujo curriculum que justifica a sua indicação assenta apenas na experiência dos acordos que fechou com muitos líderes mundiais (de exploração de petróleo, naturalmente).
Para além da confirmação de uma espécie de conluio com Putin, anuncia claramente a sua linha de política externa: a política do petróleo! Numa altura em que o mundo afirma as energias alternativas, com a entrada em vigor do Acordo de Paris, Trump inverte a marcha e decide enveredar por um novo caminho.
É legítimo, foi para isso eleito, mas não sei onde vai chegar Trump com esta cruzada anti--China e não auguro nada de bom.
Resta-nos esperar que o bom senso impere no Senado e obrigue a uma reavaliação das escolhas desastrosas que Trump tenta impor. Isso ou reeditar a música de Sting numa versão atual de “I hope the Chinese love their children too”.