1) Nas hipóteses que se aventam a propósito de possíveis candidatos do PSD a Lisboa tem faltado sistematicamente uma (até neste espaço). No sempre aliciante e muitas vezes erróneo exercício de futurologia a que jornalistas, comentadores, politólogos e políticos se entregam apaixonadamente, censura-se com razão o PSD pelo seu atraso na preparação das autárquicas, coisa que não melhora através do papel assinado ontem com o CDS. Há uma profunda preocupação no PSD que acentua tensões e suscita conspirações. Sendo Lisboa a capital, e sendo também a cidade onde é mais óbvia a ausência de um candidato forte, as opções que se apontam têm mérito mas não chegam, como arranjar alguém do partido para fazer boa figura (José Eduardo Martins), um independente mediático como José Eduardo Moniz (um fazedor em todas as áreas que já esteve interessado em se apresentar às europeias) ou ainda ir a reboque de Assunção Cristas, o que seria um naufrágio político.
O atraso na definição de estratégias e candidaturas desgasta fortemente Passos Coelho. A manter-se a situação, a ebulição atual vai agravar-se diariamente e só por taticismo é que ninguém decide afrontá-lo, guardando-se para depois das autárquicas. Com este panorama, talvez Passos não deva desprezar a hipótese de saltar para a arena e ser o candidato a Lisboa, pegando o touro pelos cornos. Sucede que Passos é a única pessoa que, em rigor, pode refazer e até alargar a coligação, convidando Cristas para a assembleia municipal, função que ela poderia aceitar sem perder a face.
Imagine-se por instantes o que seria uma vitória da coligação PSD/CDS em Lisboa e a margem de manobra interna e externa com que Passos ficaria no partido e no país. Além disso seria uma vingança servida a frio, que é um dos pratos favoritos do ex-primeiro-ministro, que não é de esquecer, como se viu e vê com Marcelo. Dir-se-á que o PS e toda a esquerda iriam de imediato atacar Passos porque, em princípio, isso o excluiria de ser candidato a primeiro-ministro. Não é verdade. Desde logo porque não faria nada que António Costa não tivesse feito e preparado, à conta do assassinato político de Seguro. Além disso pode arranjar um grande número dois melhor do que Fernando Medina (portuense, por sinal), o que não parece difícil quando se olha para o caos, sujidade e anarquia que reina em Lisboa.
É claro que Passos poderia perder e ver-se obrigado a sair da liderança. Talvez sim, se a derrota fosse muito pesada em termos nacionais. Mas aí teria dado a cara e sairia pela porta grande, dando o corpo às balas num momento difícil, não se furtando a responsabilidades como certos barões que se resguardam no regaço das suas vidas profissionais e das suas aparições mediáticas construídas na política. De facto, se realmente fosse derrotado em Lisboa (que está perdida de antemão), nem por isso Passos teria de ter a sua liderança comprometida, desde que (repete-se) os resultados globais no país fossem aceitáveis. Além disso, nos tempos de hoje, perder eleições nem sempre é um problema, como se prova pela marcha da geringonça que António Costa construiu depois de o PS ter ficado atrás do PSD. Na política há mais vida para além do resultado eleitoral. Agora é assim por cá e também na América, onde Trump ganhou tendo perdido.
2) José Maria Ricciardi foi substituído na administração do Haitong, dando origem a três teses. Uma que aponta para os maus resultados do banco. Outra assegura que está a caminho do Novo Banco quando e se ele for vendido, o que seria surrealista. E uma terceira segundo a qual os chineses decidiram tomar conta diretamente das empresas que controlam, como se verá brevemente na REN e EDP. Quem terá razão?
3) Faz impressão a senda persecutória com que certa imprensa se atira a Ronaldo a propósito de uma alegada fuga de milhões aos impostos. Não se viu o mesmo empenho em revelar certos nomes dos Papéis do Panamá. E também não se vê essa intransigência com os grandes grupos de distribuição que fazem a mesma coisa. Ronaldo não é apenas um fabuloso atleta bem pago. É também uma marca mundial e uma multinacional que atua, como as outras, com apoio de fiscalistas ilustres.
4) Chama-se Cláusula Molière e, obviamente, apareceu em França. É uma disposição que obriga as empresas que concorram a certos concursos, nomeadamente na área da construção, a contratarem trabalhadores que comuniquem em francês na sua atividade. Já por lá houve reportagens de televisão sobre a matéria. Numa mostrava-se uma obra em que a língua mais usada era o português. A Cláusula Molière é apresentada como uma medida de segurança no trabalho, mas esconde o propósito de afastar a subcontratação de empresas portuguesas que são muito ativas no mercado francês. Se fizéssemos o mesmo na Vinci e na ANA, proibindo também o sotaque?