“A Caixa Geral de Depósitos não serve para isso.” Foi assim que o ex-secretário de Estado das Finanças Manuel Rodrigues criticou, em declarações ao i, as acusações que o PS lançou ao anterior governo. “Só prejudicam a Caixa”, afirmou o antigo governante, escusando-se a alimentar a polémica levantada por uma notícia do diário “Público” e pelas acusações do Partido Socialista que se seguiram.
“Durante seis meses, o Ministério das Finanças (…) teve na gaveta pelo menos dois pareceres da Inspecção-Geral das Finanças relativos a relatórios trimestrais (…) que mostravam um agravamento das imparidades do banco público.” O diário afirmava também a relevância dos relatórios “por se referirem ao período em que foi efectivada a recapitalização” e que haviam sido despachados apenas 15 dias antes das legislativas de 2015.
Em declarações à Lusa, João Galamba apontou um padrão “óbvio”. O governo de Passos Coelho teria tentado não “perturbar o período pré-eleitoral” e, para o porta-voz do PS, um “problema pode ficar escondido, mas seguramente não fica menor”.
Ao i, Manuel Rodrigues, o secretário de Estado referido, recusou dar troco às acusações de ocultação, mas recordou que foi o anterior governo a “reconhecer cinco mil milhões de imparidades”, a “eliminar o desequilíbrio de financiamento entre empréstimos e depósitos”, a “reforçar o capital da Caixa Geral de Depósitos” – com a capitalização orquestrada por Vítor Gaspar e consumada por Maria Luís Albuquerque – e que “até o governo atual tem reconhecido que o período entre 2011 e 2015 foi de elevado rigor e transparência na CGD”.
Fonte do governo anterior clarifica ao i que os relatórios trimestrais em questão, do ano de 2014, “nem eram obrigatórios”, e que, durante a governação PSD/CDS, “a vigilância era apertada por parte do Banco de Portugal, do Banco Central Europeu e de um auditor externo”.
Em fevereiro de 2015, ano eleitoral, as contas não auditadas já eram públicas, estando publicadas na página oficial da Caixa, “incluindo a evolução das imparidades”.
Em maio de 2015, a comissão de auditoria da Caixa assina uma conclusão favorável sobre todo o ano de 2014, incluindo os trimestres a que os referidos relatórios diziam respeito.
Nesse sentido, defendem os sociais-democratas, “não havia nada a esconder, nem nada que tenha sido escondido”. A comissão de auditoria emitiu uma opinião global “sem ênfases nem reserva”, o que suplantará os relatórios trimestrais, “apenas descritivos”. No relatório e contas em questão, de acesso público, a comissão de auditoria emite um parecer relativo aos quatro trimestres de 2014 onde considera que “foram emitidos os pareceres sobre a eficácia do sistema de controlo interno da CGD e que se considerou o sistema de controlo adequado na dimensão e natureza e risco das atividades desenvolvidas”.
Questionada sobre o porquê de os relatórios terem sido despachados somente duas semanas antes das eleições, a fonte diz tratar-se “de um processo de arquivamento normal, até porque a sua relevância se encontrava subscrita pelas informações entretanto tornadas públicas”.
Ao i, o CDS-PP, na voz do deputado parlamentar João Almeida, remeteu para a comissão de inquérito, assumindo não ter “conhecimento acerca dessa questão”. No âmbito da comissão de inquérito, diz o deputado, “haverá espaço para esclarecer”. No entanto, Almeida recusa “partir do princípio que seja assim [com ocultações] sem ouvir quem tinha responsabilidades”.
O Bloco de Esquerda já fez saber que levará à comissão o inspetor-geral de Finanças, de modo a averiguar que informações teriam os relatórios não despachados pelo governo PSD/CDS durante meio ano.
Na manhã de ontem, o PSD requereu de igual modo uma audição com o ministro Mário Centeno e com o presidente demissionário da CGD, António Domingues, para a mesma comissão de inquérito. “A confiança no banco público não pode deixar de ser abalada com a falta de transparência e com a nebulosidade com que todo o processo da demissão de António Domingues foi tratado”, rezava o comunicado em nota anexa.
A polémica surge depois do Tribunal de Contas lançar um relatório em que criticava o anterior governo: “O Ministério das Finanças não solicitou à Inspeção-Geral de Finanças auditorias à Caixa, apesar da existência de matérias e de operações de risco, bem como de fragilidades de controlo interno identificadas pela comissão de auditoria daquela empresa”. O tribunal apontava um “controlo insuficiente” da Caixa pelo executivo liderado por Pedro Passos Coelho.
O ex-primeiro-ministro havia respondido, afirmando que não havia “nenhuma falta de transparência, pelo contrário”. No fim-de-semana passado, o presidente do PSD defendera também que fora o único primeiro-ministro a pôr dinheiro na Caixa, “porque este governo fala que tem uma operação, que está tudo previsto, autorizado, mas passou um ano e ainda não aconteceu nada”.