André Silva: ‘O Governo alterou a forma de lidar com o PAN’ [vídeo]

André Silva: ‘O Governo alterou a forma de lidar com o PAN’ [vídeo]


O fim das corridas de touros é uma questão de tempo, garante André Silva. Até lá, o partido vai tentar abrir os olhos dos deputados que diz não estarem a acompanhar o sentimento dos portugueses.


A justiça ainda é branda com as pessoas que cometem crimes contra os animais?

Claro que é. Muitas vezes há decisões judiciais que não se entendem, mas notamos uma evolução enorme nas sentenças dos últimos meses. Não tanto quanto desejaríamos, mas há uma sensibilização que vai sendo feita, não só junto dos julgadores e das forças de polícia. Sente-se da parte da GNR e da PSP uma entrega cada vez maior a estes casos. Tem é de haver respostas cada vez mais eficazes do Ministério Público e dos julgadores.

A tourada é uma questão pela qual o partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) se tem batido, mas todas as medidas que apresenta têm sido chumbadas. O que pode ser feito para alterar esta situação?

Continuar a falar delas. A maioria dos deputados não está a acompanhar o sentimento geral da população portuguesa, continua presa a preconceitos e a interesses económicos. Os portugueses não entendem por que se isenta da taxa de IVA uma prestação de serviços de um artista tauromáquico, tal como se faz com um médico, com um enfermeiro ou com um desportista.

Mas o objetivo final será acabar com as touradas?

Esse é um paradigma civilizacional que a sociedade portuguesa irá responder a seu tempo. O PAN defende que não é admissível o ser humano divertir-se à custa do sofrimento de outras formas de vida, seja através da tauromaquia, do circo ou do tiro ao voo.

Fala-se muito em maus tratos de animais, mas a tourada é uma exceção.

As touradas são maus tratos institucionalizados. A lei 92/95 diz que os maus tratos animais são condenáveis, excecionando a atividade tauromáquica. Portanto, o legislador reconhece que são maus tratos, só que está legalizado. Porquê? Porque é uma tradição. Por todo o mundo, as tradições tóxicas e que implicam a liberdade, o sofrimento e o bem-estar de terceiros – pessoas ou animais – vão caindo. A escravatura era uma tradição e caiu.

É uma questão de tempo, é isso?

Sim. Disso nem eu, nem nenhum português, nem ninguém do setor tauromáquico tem dúvidas. Basta ver os números: cada vez menos pessoas assistem a corridas de touros, cada vez menos pessoas se revêm num entretenimento que vive à custa da tortura de um animal. O que se está a fazer, como em qualquer antigo regime, é adiar até que caia de podre.

Então por que motivo o PAN não propôs um projeto de lei para acabar com as touradas?

A legislatura tem quatro anos, estamos no fim do primeiro. Ainda não foi possível apresentar esta medida e temos trabalhado outras formas de alertar e de consciencializar a classe política e a sociedade.

Não sabemos se e quando iremos colocar essa medida, mas mais do que a atividade vir ou não a ser proibida, é importante fazer perceber quais são os balões de oxigénio da indústria tauromáquica. São os dinheiros públicos dados pelo Estado – por via do OE, dos Ministérios e do IFAP – ou pelos municípios, são as isenções fiscais e os apoios financeiros diversos.

Os toureiros cometem crimes contra os animais?

Não cometem porque a lei diz que lidar um touro na arena não é crime. Em Inglaterra, na Suécia, em Itália, em todo o mundo desenvolvido seria crime. Em Portugal e em mais sete países do mundo não é crime.

Por mais que se tente dourar a pílula à volta da tauromaquia, é inegável. Há sofrimento e as pessoas estão cada vez mais revoltadas por na segunda década do século XXI Portugal, que se diz um país desenvolvido, ainda fazer subsistir uma atividade que vive à custa do sofrimento dos animais e, mais grave que isso, ter o Estado a financiar esta atividade.

Já faz mais de um ano desde as eleições legislativas. Qual o balanço que faz destes últimos 14 meses?

Um balanço extremamente positivo. Foi um ano de desafios enormes, que foram vencidos. Conseguimos ver algumas medidas aprovadas, mas mais importante foi o debate que se fez em torno das mesmas, de causas e de valores que o PAN trouxe para a AR e que antes nunca eram falados.

Gosta de ser deputado?

Gosto do desafio de estar a representar milhares de cidadãos, de dar voz a um projeto único que traz para a AR temas difíceis de abordar e que, por vezes, não são compreendidos.

Temos aprendido com bastante humildade aquilo que é o dia-a-dia e a burocracia de funcionamento da AR com o apoio fantástico de uma equipa reduzidíssima e com fortes constrangimentos regimentais.

Que temas são esses que as pessoas, por vezes, não compreendem?

Quando nos referimos à exploração de recursos de forma infinita ou à defesa do interesse de outros seres vivos. É ainda com muita estranheza e resistência que estas questões são encaradas. Muitas das vezes estas problemáticas encerram em si, ou à sua volta, interesses corporativos, económicos ou até alguma falta de consciência que ainda não está adquirida dentro da própria AR.

Como assim?

Muitas vezes sinto, junto de outros deputados, que há matérias para as quais não estão consciencializados e informados. Esta casa continua a recusar-se a estender a criminalização de maus tratos de animais de companhia a outros animais. A maioria dos deputados reconhece que os maus tratos perpetrados sobre um cão ou um gato constitui crime, mas espancar uma mula, um cavalo ou deixar 200 ovelhas morrer à fome não é crime.

Estava à espera de encontrar estas resistências?

Estava. Faz parte de um percurso que o PAN está a fazer dentro da AR, juntamente com os outros partidos.

Houve alguma coisa que o surpreendeu quando chegou ao Parlamento?

Sim. Depois de ultrapassado um desafio enorme – entrar na AR –, estávamos convencidos de que poderíamos exercer o nosso mandato em pé de igualdade. Isso não acontece, temos restrições regimentais ao nível dos tempos de intervenção e dos debates em que podemos intervir, mas acima de tudo na capacidade de agendamento. Todos os restantes partidos agendam para plenário uma iniciativa legislativa por semana, o PAN tem três por sessão legislativa.

Há pouco também falava de serem uma equipa pequena, mas Os Verdes só tem dois deputados. Faz efetivamente muita diferença o PAN só ter um deputado?

Faz. Um grupo parlamentar – dois ou mais – pode agendar todas as semanas uma discussão de uma iniciativa legislativa para o plenário. O PAN não pode porque não é grupo parlamentar.

Que medidas conseguiu o PAN aprovar?

Tivemos bastantes medidas aprovadas nas causas sociais como o assegurar a igualdade de acesso a técnicas de procriação medicamente assistida e assegurar a igualdade de direitos no acesso à adoção e apadrinhamento civil por casais do mesmo sexo. Medidas que tínhamos inscrito no programa eleitoral e podemos, juntamente com outros partidos, dar cumprimento a estas medidas logo no início da legislatura.

E dentro da causa animal?

Conseguimos dar sequência a uma iniciativa legislativa de cidadãos no Orçamento do Estado (OE) para 2017 com a aprovação de uma linha de financiamento para a construção de centros de recolha oficial de animais. Outra das medidas prende-se com a possibilidade de dedução de despesas médico-veterinárias em sede de IRS.

Que outras medidas ainda gostaria ver aprovadas?

Uma delas prende-se com a opção vegetariana em cantinas públicas. Para nós é uma questão de igualdade. Há crianças e jovens que desde tenra idade são vegetarianos. Quando chegam à escola muitas vezes não têm essa opção. Há responsáveis que já têm sensibilidade para estas matérias, mas há outros que nem com atestados médicos apresentados cedem.

É preciso apresentar atestado médico?

Sim e entendemos que isso é absolutamente discriminatório. As opções alimentares não devem estar sujeitas à exigência de um atestado médico. As pessoas são livres de se recusarem a consumir produtos de origem animal e as escolas e cantinas públicas devem disponibilizar às crianças e aos jovens essa possibilidade.

Continua a sentir as dificuldades que tinha ao início?

Continuamos a aprender graças ao apoio e à experiência de todas as forças parlamentares que nos têm ajudado. Quem nunca teve contacto com a atividade parlamentar não faz ideia do quão complexo é trabalhar na AR.

Obviamente que hoje sabemos um bocadinho mais do que há um ano, foi mais fácil discutir e trabalhar este OE do que o anterior.

Cada semana que passa sentimos que temos uma responsabilidade maior para com os portugueses que diariamente nos dão força através das redes sociais, de emails.

O objetivo do PAN é conseguir mais deputados nas próximas legislativas? Vai tentar ser reeleito?

Ainda nem sei se vou candidatar-me ou serei reeleito, mas tenho expectativas de que a representação do PAN aumente. Tivesse o partido mais deputados e teria outra influência na AR.

É o mesmo André que chegou aqui em 2015?

Um ano mais velho [risos] e com mais cabelos brancos. Sou o mesmo André, com a mesma utopia com que entrei nesta casa há um ano. O progresso só se faz de utopias e nós diariamente alimentamo-nos dela como se fosse a linha do horizonte. Há utopias do PAN que estão cada vez a concretizar-se.

O que tenciona fazer se não se candidatar ou se não for reeleito?

Ainda não pensei nisso. Decidi abraçar de alma e coração este projeto e é a primeira vez que estou a pensar, nesta entrevista, o que poderia fazer daqui a três anos. Fui apanhado desprevenido [risos]. Talvez daqui a dois ou três anos consiga responder a essa questão.

Que balanço faz deste primeiro ano de ‘geringonça’?

Sempre defendemos uma solução de Governo que fosse estável e que fosse de legislatura. Aparentemente, é isto que está a ocorrer.

Por um lado, conseguiu-se repor rendimentos e algum poder de compra, e por outro, houve o regresso da atividade política mais intensa, que é feita diariamente entre os vários partidos que suportam o Governo. Deixou de haver um protagonismo não só do ministro das Finanças, mas de toda uma narrativa à volta do défice, do excel e daquilo que são os números e as imposições. Fala-se mais de política e menos de números, de défice e de outros constrangimentos.

Por outro lado, entendemos que há outras matérias que não têm sido priorizadas, como são as matérias que se prendem com a proteção e preservação ambiental.

Como assim?

Entendemos que estas ambições que o Governo tem tido nas áreas sociais e económicas, devem estender-se às áreas ambientais. Vivemos neste momento a maior crise de sempre, são as alterações climáticas, e é esse combate que temos todos de travar.

Acha que o primeiro-ministro olha para o PAN como um parceiro do Governo?

Neste último ano o Governo alterou a sua forma de lidar com o PAN e vice-versa. Fruto disso foram as negociações intensas que culminaram numa aprovação por parte do PAN do OE para 2017.

Houve medidas emblemáticas que foram debatidas e que para nós representam avanços significativos em algumas áreas. Avanços que começam a denotar alguma alteração de consciência, tanto da parte de quem está a governa, como das forças políticas que suportam este Governo e que quiseram dar um sinal de relevância ao PAN.

O partido acaba por ser uma força emergente e que é reconhecida cada vez mais fora na AR, pelos cidadãos nas redes sociais, nas forças não governamentais e o Governo quis acompanhar esse reconhecimento, promovendo o diálogo com o PAN.

Na votação do OE, o PAN absteve-se na generalidade, mas na especialidade votou a favor. O que mudou nestas semanas?

O voto de abstenção acabou por ser também um voto de confiança para as próprias negociações. Houve de parte a parte uma aproximação àquilo que eram os desejos e ambições do PAN de ver aprovadas algumas medidas que considerávamos emblemáticas e pioneiras de um debate na AR. Ao longo destas semanas, pudemos comprovar que havia condições suficientes e necessárias para uma convergência que levasse a um sentido de voto favorável que não existia há um mês.

Acha que a voz do PAN tem sido ouvida?

Não é ouvida da forma que queríamos. O PAN precisa de ter outro tipo de representação no futuro e gostaríamos de contar com um grupo parlamentar a trabalhar todas estas questões. Mas, para já, com todas a restrições regimentais e de recursos humanos, temos conseguido fazer valer as nossas posições junto do Governo e dos outros parceiros.

Qual é o relacionamento do PAN com os outros deputados? Dão ao partido tanta credibilidade quanto aquela que acha que deveria receber?

O meu relacionamento pessoal com outros deputados, de uma forma geral, é muito boa. Obviamente não tenho o mesmo relacionamento com todos os 229 deputados, mas tenho relações próximas com deputados de todas as bancadas parlamentares.

A questão da credibilidade nunca foi algo que nos inibiu nem nunca pensámos muito nela. A credibilidade não é dada pelos deputados das bancadas parlamentares, mas sim pelos portugueses. Eu sei que todos os dias entro nesta casa tão motivado como no primeiro dia. Entro com o apoio de muitos cidadãos que dão força a esta curta equipa. É isso que nos faz mover todos os dias.

Falou com o primeiro-ministro ao longo deste ano?

Felizmente, o Governo não se esgota no primeiro-ministro. Tenho falado com António Costa diversas vezes ao longo dos encontros interpartidárias que vamos mantendo ou de reuniões que são comuns existirem entre o Governo e as outras forças partidárias.

Temo-nos reunido, acima de tudo, com o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos. É com ele e a sua equipa que fizemos todo este caminho de negociação.