Saúde. Um susto pode mesmo matar?

Saúde. Um susto pode mesmo matar?


É apenas um fenómeno criado pelo cinema e a internet ou os sustos podem mesmo ser fatais? Vários cientistas já falaram sobre o assunto e explicaram o que realmente acontece ao organismo de um ser humano quando vive momentos de pânico


Muitas pessoas usam a expressão “morrer de susto” quando lhes é pregada uma partida ou passam por situações perigosas. Mas será mesmo possível… morrer de susto? Ou de felicidade? Ou não passa tudo de um mito, criado pelos filmes de Hollywood ou por artigos publicados na internet?

Antes de passarmos para a parte científica, falemos de casos concretos: a justiça norte-americana já condenou pessoas por assustarem outras de tal maneira que acabaram por provocar-lhes a morte. Veja-se o caso de Larry Whirfield, um jovem de 20 anos que, segundo a agência de notícias Associated Press, se escondeu em casa de Mary Parnell, de 79 anos, para fugir das autoridades depois de ter tentado assaltar um banco. Quando a mulher viu o homem, entrou em pânico – ele ainda tentou acalmá-la e levou-a para outra divisão da casa, mas Mary acabou por morrer. Larry foi condenado a uma pena de 27 anos de prisão por tentativa de assalto, tomada de reféns e homicídio involuntário.

Mas, em termos científicos, será que um susto pode mesmo provocar a morte de alguém? O site Scientific America falou com Martin A. Samuels, responsável pelo departamento de neurologia no Brigham and Women’s Hospital, em Boston, para tentar perceber o que acontece ao nosso corpo durante momentos de pânico.

“O corpo tem um mecanismo protetor natural chamado mecanismo de luta ou fuga. Se, no meio da selva, um animal enfrenta uma situação ameaçadora, o sistema nervoso autónomo reage aumentando o batimento cardíaco e a circulação de sangue para os músculos, dilatando as pupilas e abrandando a digestão, entre outras coisas”, explica Samuels. “Todos estes aspetos aumentam as probabilidades de ser bem-sucedido numa luta ou numa fuga de, por exemplo, um jaguar. Este processo seria certamente uma grande ajuda para os homens primitivos, mas a verdade é que, no mundo moderno, existem muito poucas situações que levam o homem a ‘acionar’ o mecanismo de luta ou fuga. E provocar este nível de ansiedade pode provocar mazelas no sistema nervoso”, diz o especialista.

Isto porque, segundo as declarações à Fox News de Robert Glatter, médico do Lenox Hill Hospital, em Nova Iorque, o pico de adrenalina – uma resposta involuntária controlada pelo sistema nervoso autónomo – danifica o coração: “Quando existe uma descarga de adrenalina, os canais de entrada de cálcio das membranas celulares são abertos. O cálcio segue para as células existentes no coração, fazendo com que ocorra uma forte contração das células musculares cardíacas.” Ou seja, com a quantidade de cálcio que circula ininterruptamente, as células musculares cardíacas “não relaxam”.

“Se uma pessoa se assusta e uma grande quantidade de adrenalina ‘atinge’ o seu coração, o indivíduo pode desenvolver uma fibrilação ventricular – um tipo de arritmia cardíaca caracterizado por contrações descoordenadas do coração, o que faz com que este não funcione como deveria”, refere o mesmo especialista. Ou seja, como Samuels disse ao Scientific America, o coração pode começar a bater de uma forma anormal que não é compatível com o organismo humano.

E morrer de felicidade? Os especialistas concordam: um susto pode matar uma pessoa. Mas será que esta é a única emoção que despoleta uma reação destas no corpo humano?

“Qualquer emoção negativa ou positiva, como a tristeza e a felicidade”, pode provocar um problema como o acima descrito, diz Martin A. Samuels. “Sabemos de casos de pessoas que morreram enquanto faziam sexo ou durante uma cerimónia religiosa. (…) Um estudo alemão [realizado em 2006 e publicado no site do National Center for Biotechnology Information] mostra que houve um aumento das mortes cardíacas súbitas nos dias em que a seleção nacional alemã jogou no Campeonato do Mundo de Futebol. Por outro lado, dias depois do ataque terrorista em Nova Iorque, no dia 11 de setembro de 2001, foi registado um aumento de mortes cardíacas súbitas naquela cidade norte-americana”, recorda o neurologista. Ou seja, o que está aqui em causa é a intensidade da emoção vivida e não o sentimento em si. Mas Robert Glatter vai mais longe e defende que o mecanismo de luta ou fuga pode ser acionado por sons estridentes, como explosões e guinchos, ou maus cheiros.

Quem sofre mais? E será que existem pessoas com uma maior tendência para ter este problema? “Uma predisposição para o desenvolvimento de doenças cardíacas poderá aumentar o risco de morte súbita, mas isso pode acontecer em qualquer idade e a pessoas saudáveis”, diz Samuels.

Assim, é fácil perceber que a ciência é unânime: uma emoção forte, seja negativa ou positiva, pode ter um efeito fatal no organismo de um ser humano, seja este um jovem ou um idoso, uma pessoa saudável ou sedentária.