Para que não haja equívocos: sou de esquerda, democrata e estudei Relações Internacionais (RI). Condições que por estes dias entraram em confronto. Sou de esquerda, mas não me revejo na celebração de pesar pela morte de um ditador que não passou disso mesmo, oprimindo e perseguindo milhares de cubanos que ousaram pensar diferente. Por curiosidade fui ver as notícias de 2006 quando morreu Pinochet. Invariavelmente os títulos agregavam à morte o nome Ditador.
Porquê? Por ser de direita e militar? Fidel também era militar, apenas a ala ideológica variava. Vão-me perdoar, mas não entendo e não posso aceitar que estados democráticos aprovem votos de pesar pela morte de um ditador, seja ele qual for. É a minha opinião e como tal (fruto do regime democrático onde vivo) pode ser criticável, mas, lá está, tem de ser respeitada, coisa que não aconteceria em Cuba. Perseguiu, matou e silenciou milhares de homens e mulheres durante quase 50 anos e isso é condenável em Cuba, no Chile ou em qualquer outra parte do Mundo. Posição totalmente diferente tenho enquanto licenciado em RI: a morte de Fidel exalta o que de mais académico existe em mim. Morre, provavelmente, o último símbolo do século XX e com ele o último símbolo da época da história moderna que mais me apaixonou – A Guerra Fria.
No campo da história e da ideologia política o homem Fidel Castro foi gigante e, aqui sim, deixa um marco inemendável e assume-se como uma figura indelével. E neste campo é bom recordar. A história do movimento revolucionário que derrubou Fulgêncio Batista, à influência e participação em outros movimentos revolucionários da América Latina, Fidel na companhia do irmão Raul e do incontornável Che Guevara, marcaram uma época que mudou o rumo da história.
Protagonizou o momento mais crítico na história da humanidade – a crise dos mísseis de Cuba. O mundo seria bastante diferente (se sobrevivesse a um embate nuclear) se porventura em vez de um Kennedy e de um Kruschev tivéssemos um Trump e um Putin. Seguiu colecionando intervenções e apoios a movimentos revolucionários e anti-imperialistas pelo mundo fora: Chile, Nicarágua, Palestina, Etiópia, Somália ou Angola, apenas para enumerar algumas. Fidel personificou um dos braços mais ativos da luta revolucionária patrocinada pela União Soviética. Para lá do belicismo fica também a obra socialista, também ela incontornável.
Materializou o sonho socialista dando a Cuba os mais elevados índices de desenvolvimento humano, elevados níveis de alfabetização do povo cubano e a erradicação da mortalidade e da desnutrição infantil. Fica ainda o legado da medicina com o registo de avanços inegáveis na investigação e formação de médicos de excelência, fatos para os quais o Mundo deve hoje vergar-se e (aqui sim) agradecer incondicionalmente. Tudo o resto é, para mim, pura demagogia de uma sociedade que publica nas redes sociais antes de pensar, empurrada pelo que é “trendy”.