A livre circulação e a mobilidade na CPLP


Uma CPLP assente exclusivamente na língua será sempre uma falácia


“Ninguém é dono da multidão, ainda que creia tê-la dominado.” Eugene Ionesco

Na última cimeira da CPLP, realizada no Brasil, Portugal apresentou uma proposta para serem criadas as condições, políticas e jurídicas, para que a livre circulação de pessoas, no espaço territorial da CPLP, seja uma realidade, no médio prazo. Essa proposta, apresentada pelo primeiro-ministro António Costa, foi secundada pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

Na sua apresentação e fundamentação, destacaram-se, há que reconhecê-lo, os devidos cuidados a ter, na negociação entre Governos, da sua conformidade jurídico-comunitária com o território de Schengen, e a sua implementação gradual, junto dos Estados e dos povos dos países da CPLP.

No nosso “burgo”, a esse propósito, levantaram-se algumas vozes contra esta proposta. Aliás, reconheça-se muitas delas, que mais não são as de sempre, que em Portugal, por tudo e por nada, falam da CPLP, apenas para zurzir forte e feio e despropositadamente em tudo o que diga respeito a esta organização internacional. E têm-no feito, sucessivas vezes, revelando ignorância total quanto ao que é a CPLP, o seu potencial futuro, as suas mais valias e sobretudo, no que diz respeito ao que Portugal e os portugueses poderão vir a ganhar com a implementação de uma nova visão estratégica na CPLP, na próxima década.

Alicerçada numa nova prioridade, assente na economia e no desenvolvimento dos países e dos povos que a compõem. Aliás, a esse propósito, já aqui foram várias vezes expendidos argumentos mais do que suficientes para que se entenda que a CPLP, assente exclusivamente na língua e no clube linguístico português, tem sido, é e será uma falácia. Até porque foi a última organização internacional criada exclusivamente com base na língua.

E outras que o foram anteriormente ou definham ou, antes pelo contrário, evoluíram e alteraram a sua carta de princípios e as suas prioridades. Assentes sobretudo no pilar económico. Daí que esta proposta da livre circulação na CPLP faça todo o sentido. Aliás, em coerência, deve recordar-se que não é uma coisa nova. Antes pelo contrário. Já tem alguns cabelos brancos.

Porque já foi apresentada, sobretudo na última década, várias vezes. E em vários fóruns. Nomeadamente em cimeiras da CPLP, em reuniões da Assembleia Parlamentar da CPLP, também por investigadores e académicos, etc. Sempre associada a um conjunto interligado de propostas coerentes, quanto ao futuro da CPLP. Na área política, jurídica, diplomática, económica, etc.

E sempre tendo por base a aprovação do estatuto jurídico do cidadão lusófono. Onde as reticências têm sido maiores, para a sua aprovação e consolidação, em países como Angola e Brasil. Mas, até com a aprovação de instrumentos jurídico políticos relevantes, co-relacionados com a livre circulação de pessoas, como é o caso do acordo consolar entre os Estados membros, com ganhos significativos para os povos, através da sua implementação simultânea.

Daí que eu saúde esta proposta. Tem condições, mesmo no âmbito da observância da vigência do espaço Schengen, para ser implementada. A sê-lo, será positiva, para aumentar não só a circulação de pessoas, como de capitais e de empresas, promovendo ainda assim o desenvolvimento económico e social e contribuindo para aumentar e melhorar a consciência lusófona, assente em laços históricos e de relacionamento, onde a identidade e os sentimentos de pertença se disseminarão.

É claro que, para os donos da direita e esquerda caviares, isto não é prioritário. Porque para muitos deles o que é importante são as atitudes fechadas, em Lisboa, em salões confortáveis, em circuito fechado, onde a arrogância e a proteção da unipolaridade europeia só lhes interessa a eles.

Porque só são liberais quando isso lhes dá jeito. E quando se arvoram em grandes pensadores, dizendo que a única ideologia contemporânea vigente é a do mundo aberto, em contraponto com a do mundo fechado, espalhando-se ao comprido, em casos concretos como este, com tantas contradições.

Aliás, dizem o pior de países como a Guiné Equatorial (que o ainda grande democrata Barak Obama bem trata recebendo Obiang e um dos seus filhos com direito a todo o protocolo!) e nada dizem com a aceitação como observador (o pré caminho para membro) de países como a Hungria (democracia imperfeita), a Eslováquia, o Uruguai, a República Checa. Que se juntam às ilhas Maurícias, ao Senegal, à Namíbia, à Turquia, ao Japão e à Geórgia.

Tudo países onde o português é a língua que impera….. que hipocrisia! Só falta mesmo recordar-lhes um de entre outros exemplos. Em 1974, em Moçambique, menos de 2% da população falava o português, que era a língua oficial. E que de 1974 a 2016, só 30% da população moçambicana fala português.

E Moçambique é um país fundador e membro ativo e de pleno direito da CPLP. Portugal e os portugueses só têm a ganhar, e muito, com a CPLP. A livre circulação e mobilidade na CPLP, a acontecer, será muito importante. E com impactos significativos. Económicos, sociais, culturais e até na melhoria da qualidade das suas democracias.