Era uma vez uma menina chamada Capuchinho Vermelho que era muito bem-disposta e despachada mas, certo dia, acordou desanimada e triste. Como não ia à escola há um tempo porque não se tinha sentido muito bem nos últimos tratamentos de quimioterapia, já não lhe apetecia brincar. Nesse dia estava tão chateada que, num ataque de fúria, pegou na tesoura às escondidas da mãe e cortou os cabelos compridos da sua barbie preferida. A barbie que lhe pareceu presunçosa por apresentar aquele cabelão loiro de caracóis nas pontas tinha agora um cabelo curto, muito mal-amanhado e desregulado. Infelizmente, a barbie continuava a sorrir, mesmo com o corte de cabelo tão feio, e Capuchinho Vermelho até já se tinha arrependido do seu ato impulsivo. “Não valeu de nada ter posto esta mulher feia. Ela continua contente e eu continuo triste”, pensou.
A mãe de Capuchinho, ao ver a boneca feita num oito, apercebeu-se de que ela poderia estar mais do que enfadada – talvez estivesse mesmo a passar por aquela fase de revolta de que lhe tinha falado a médica. Depois de tentar inúmeras vezes que a filha a ajudasse na cozinha ou fosse brincar para a rua, para que matasse o tédio, a mãe percebeu que só haveria uma forma de tirar Capuchinho de casa para desanuviar.
“Vou ter de lhe dar uma ordem, sem dar a entender o quanto quero que ela arrebite e saia um bocadinho…”
Como viviam perto da casa da avó (eram apenas alguns minutos a pé, caso fossem pelo pinhal, e mais algum tempo se escolhessem caminhar pela estrada principal), mesmo que custasse à mãe deixá-la ir sozinha, a verdade é que Capuchinho já tinha 11 anos de idade e, naquele momento, estava a sentir-se bem fisicamente. Era urgente um pouco de ar fresco para curar a neura. Além disso, era importante que Capuchinho sentisse que confiavam nela.
“Capuchinho, faz-me um favor. Vai até a casa da avó e pergunta se te empresta uma dúzia de ovos. Esqueci-me de comprar e os dela são frescos. Ah, mas leva um cestinho com uma compota de morango que fiz e oferece de presente.”
A resmungar, por conta do seu mau humor matinal, Capuchinho lá se agasalhou, colocou a sua boina preferida vermelha e a capa da mesma cor (foi por ter a preferência por esta boina que lhe chamavam carinhosamente Capuchinho Vermelho), pegou na cesta e saiu de casa. Antes de sair, a mãe pediu-lhe que fosse pela estrada principal, sempre na bordinha, e não pelo pinhal porque se poderia perder.
Ao chegar perto do atalho, Capuchinho parou para refletir. Chegou a ponderar obedecer à mãe mas, como aquele era o dia oficial do não, fazia sentido cumprir o propósito de pré-adolescente rebelde e desrespeitar o pedido que a mãe lhe fizera.
Enquanto caminhava pelo pinhal e mirava as pinhas no chão e os pinheiros altos, apareceu-lhe de repente à sua frente alguém que a interpelou e que a fez dar um grito com o susto:
“Olá, Capuchinho Vermelho! Onde é que vais?”
Era o vizinho de quem a mãe não gostava nada e, num dia destes, até a tinha prevenido:
“Ele é manhoso! Parece-te muito simpático e bom conversador mas, sem dares por isso, estás a responder a todas as suas perguntas. E o pior é que tem o terrível hábito de inventar e espalhar boatos pela aldeia. É metido e coscuvilheiro. Não lhe dês conversa!”
Ao ver o Sr. Lobo (quase todas as pessoas na aldeia eram conhecidas pelas suas alcunhas; esta era já tão antiga que se transformara em nome de família mas, segundo a mãe, “Lobo” assentava–lhe que nem uma luva), e mesmo lembrando-se das recomendações, Capuchinho respondeu:
“Vou a casa da minha avó buscar uns ovos.”
O Lobo maldoso, sabendo perfeitamente que a menina “tinha a doença ruim” – era assim que algumas pessoas diziam na aldeia, porque a palavra cancro assustava – e ansioso por saber mais sobre o assunto do momento, sem se importar se magoaria ou não, perguntou à Capuchinho, com um leve sorriso traiçoeiro:
“E a tua mãe deixa-te sair de casa sozinha e nesse estado?”
Capuchinho, pensando que estaria com a roupa suja ou engelhada, sem entender imediatamente a provocação, mirou–se e questionou de volta:
“Qual estado?”
“Esse estado doente”, rematou impiedosamente o Lobo.
Com os olhos muito abertos, já húmidos, Capuchinho engoliu em seco, respirou fundo, encarou o Lobo e fez uma última pergunta aparentemente inocente:
“Quer vir comigo a casa da minha avó, para ter a certeza de que eu chego lá bem?”
O Lobo, que afinal não era assim tão esperto, acompanhou a Capuchinho aos saltinhos, feliz e maravilhado só de imaginar nas tantas coisas que teria para contar no café, no dia a seguir:
“Coitadinha, tive de a levar até a casa da avó porque ela mal podia andar…”
Ao chegarem ao destino, a avó, que estendia a roupa no estendal, estranhou a péssima companhia que a neta trazia consigo. A Capuchinho, ao perceber o ar preocupado da avó e sem dar tempo para que lhe perguntasse, apressou-se a explicar:
“Olá, avó! Vim pedir-lhe uns ovos e, no caminho, encontrei o sr. Lobo, que me disse, coitado, que não se sentia nada bem porque voltou a beber demais (até cheira daqui!)… e eu, com tanta pena que tive do senhor, ofereci-me para o trazer até à sua rua…”
O Lobo, em choque, vermelho e envergonhado, balbuciou exaltado:
“Mas… mas que história é essa?! É mentira! Eu não disse nada disso!!”
A Capuchinho Vermelho olhou para o Lobo, sorriu e disse calmamente:
“Prontinho. Adiantei-lhe trabalho: inventei o boato! Mas este, pelo menos, é à minha maneira!”
Enquanto o Lobo se afastava delas, enervado com tamanha safadeza, a Capuchinho Vermelho e a Avó riram às gargalhadas, agarradas à barriga.
Conclusão da história:
Antes de te meteres com um Capuchinho … tens de ter a certeza de que não é mais esperto do que tu.
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