Recentemente, Obama alertava para que a nova ordem mundial podia vir a caracterizar-se pelo caos.
O número de pobres aumenta a cada ano, mas o volume acumulado de toda a riqueza mundial é controlado por um cada vez mais reduzido número de pessoas e entidades.
O sistema bancário colapsou, após décadas de corrupção, ganância e desregulação premeditada e consciente dos mercados, arrastando os povos e as nações para uma trágica crise económica e social sem fim à vista.
O fluxo de refugiados é o maior desde a ii Guerra Mundial. Guerra que é o quotidiano de mais de 40 países. Cinco milhões de crianças morrem todos os anos ceifadas pela fome, pela doença e por conflitos armados.
As máfias são os grandes grupos económicos, e o terrorismo, consequência de um capitalismo suicida, sem soluções e em final de ciclo, sequestrou Estados e povos sob o horror medieval.
Liberdades, direitos e avanços civilizacionais são, em nome da segurança, reduzidos ou mesmo eliminados. O efémero, o elogio da iliteracia e a sociedade-espetáculo são a nova cultura.
O próprio princípio um homem, um voto está pervertido. Hillary obteve mais um milhão e meio de votos que Trump.
Trump é o sintoma e o resultado do vazio e da desesperança. Ele é o representante deste tempo, é o filho do caos.
Ele vence sob a consigna de ser um homem contra o establishment, vence contra o seu partido, sem os meios de comunicação tradicionais, sem empresários, sem o mundo da cultura, do espetáculo ou dos desportistas, ou seja, sem os que normalmente representam o sistema.
Contou com o apoio das emissoras de televisão e de organizações como a Associação Nacional de Rifles ou o Ku Klux Klan. Porém, não foram estes movimentos que mobilizaram dezenas de milhões de norte-americanos.
Existe algo muito mais profundo nas tendências sociais que escapa a análises. As previsões que se fazem dos acontecimentos políticos necessitam de novos parâmetros que ainda não sabemos aferir.
Porque é que ninguém previu este resultado? Onde esteve o erro? O que acontece para que as opções populistas antissistema vençam as protegidas pelo chamado poder de turno?
Quando o sistema está descredibilizado, os meios de comunicação que o sustentaram estão igualmente descredibilizados.
Na vitória de Trump, no Brexit, nos avanços eleitorais dos extremismos e dos populismos na Europa, a intenção do eleitor é outra. A desilusão democrática fê-lo olhar o voto noutra perspetiva.
Não vota necessariamente no que vai ser melhor para o seu país, vota no verdugo, no que vai castigar os tradicionais representantes do sistema, no que promete purificar as relações e comportamentos políticos.
A sustentar esta convicção ideológica está a internet e a alteração de paradigma que ela provoca nos fluxos de informação na sociedade. Na rede, os meios de comunicação do sistema deixam de ter o monopólio da comunicação.
Desaparece o velho modelo em que as agências emissoras de mensagens, rádios e televisão, se dirigem a milhões de pessoas, para aparecer outro, em que esses milhões de pessoas interagem entre si como emissores e recetores de conteúdos, à margem de qualquer controlo.
É uma clara alteração de modelo que um adolescente coloque um vídeo no YouTube e obtenha 20 milhões de visualizações – em Portugal, um programa de televisão que tenha uma audiência de um milhão é um êxito –, como é novo que a cada hora no mundo se liguem 42 milhões de pessoas no Facebook ou se enviem 21 milhões de tweets e 1200 milhões de mensagens no Whatsapp.
Esta corrente incessante de mensagens circula independentemente dos “canais estabelecidos” utilizados pelos poderes estabelecidos para conformar a opinião pública. É a comunicação antissistema.
Em 476, quando o bárbaro Ordoarco derrubou o último imperador romano, não podia saber que essa seria a data que assinalava o fim da Idade Antiga e o início da Idade Média. Nem quando Constantinopla caiu perante o Império Otomano, em 1453, estava escrito que essa seria a data em que começava a Idade Moderna na Europa. Bem como, em junho de 1789, os tribunos do povo não poderiam adivinhar que a Idade Contemporânea principiava nesse preciso momento, com a Revolução Francesa.
Os 60 milhões de norte-americanos que elegeram Trump não estão conscientes de que os seus votos são também o fim provável de um tempo e de uma forma de fazer política.
Desenfreados, os cavaleiros montam já as suas bestas.
Consultor de comunicação, Escreve às quintas-feiras