Quanto à ciência em Portugal, o veredicto é unânime: tem talento, faltam âncoras. Saudades? Todos têm. Dos amigos, família, mas, claro, também da gastronomia. Pastéis de nata, bacalhau e amêijoas à Bulhão Pato são alguns dos desejos que a internet ainda não resolve.
Ricardo Almeida tem 34 anos e é o investigador português mais a sul, na Antártida
No meio dos pinguins-imperador
De Campinho, em Reguengos de Monsaraz, para a Antártida: Ricardo fez formação no Reino Unido e está desde o final do ano passado na Antártida ao serviço da British Antarctic Survey, na base Halley VI, a estação mais a sul. Especialista em eletrónica, o rol de tarefas inclui a gestão de radares usados em meteorologia espacial, a monitorização de estações GPS que avaliam as placas de gelo ou ainda experiências para a ESA e NASA sobre a influência do isolamento e escuridão no sono e coerência verbal (dados importantes para os astronautas). O dia-a-dia nem sempre é fácil, o isolamento é grande (no inverno foram só 12 na base durante oito meses) e o termómetro baixa aos 48 ºC negativos, mas o posto traz recompensas. O relato é de deixar qualquer alma aventureira a roer-se de inveja. “Já fiz coisas como dormir numa tenda de pano com -37 ºC, falar ao telefone com um astronauta na Estação Espacial Internacional, estar cercado de pinguins-imperador, andar de barco no meio de icebergs, pilotar um avião sobre a Antártida, assistir às auroras mais fortes do planeta, lançar balões meteorológicos no meio de uma tempestade com ventos de 90 km/h.” A lista de saudades também vai ficando grande e inclui peixe assado, pisar relva, comer uma melancia fresca e sair de casa com menos de 30 quilos de roupa. “Andam todos a contar os dias para o meu regresso exceto eu.” Sobre o estado da ciência e educação, deixa um alerta. “Sou produto do ensino público português, isso é motivo de orgulho para mim e para o país”, diz, lamentando o desinvestimento dos últimos anos.
Miguel Pereira tem 29 anos e chegou aos Estados Unidos em 2014. Está a tirar o doutoramento
Um cientista político em St. Louis, Missouri
Miguel tirou Economia no Porto e tem um mestrado em Ciências Políticas na Universidade de Lisboa. Está há dois anos a fazer o doutoramento na Universidade Washington, em St. Louis, no Missouri, com um projeto sobre representação democrática e elites políticas, “normalmente falhadas”. O ambiente de trabalho não é diferente, mas mudou o ritmo. “As pessoas tendem a trabalhar mais horas por dia e mais dias. Chamam-lhe ‘work ethic’, o que me parece desajustado. Mas está a ser uma experiência fabulosa.” Apanhou a corrida à Casa Branca, um bónus. “O envolvimento das pessoas é louvável e acontecem coisas muito bonitas em tempos de campanha, se desligarmos a televisão. No bairro onde vivo houve vários vizinhos a oferecer boleia para as urnas aos mais velhos.” E Trump? “Foi uma surpresa para qualquer pessoa com ideias progressistas.” Miguel assume os planos para regressar ao país. “Mais ninguém sabe grelhar peixe como nós”, brinca. “Acho que se fazem coisas fantásticas em Portugal, dados os recursos existentes. Nas ciências sociais, ainda este ano, a Cristiana Bastos, do Instituto de Ciências Sociais, teve uma bolsa europeia de 2,2 milhões de euros.” Nos EUA, a realidade é outra, mas o caminho faz-se caminhando. “O nosso departamento de biologia aqui na Universidade Washington ganhou uma bolsa de 24 milhões de dólares. São mundos muito distintos. A academia portuguesa só tem a ganhar com uma maior proximidade da sociedade civil: pessoas e empresas. É um processo longo, mas já está em curso.”
Josélia Neves está há três anos a viver no Catar, onde coordena um mestrado em
Tradução Audiovisual
À frente de um mestrado inédito no Médio Oriente
Josélia é especialista em tradução audiovisual e estratégias inclusivas para pessoas com deficiência, e não hesitou na hora de aceitar o maior desafio da sua carreira: há três anos foi contratada pela Universidade Hamad bin Khalifa, em Al Rayyan, no Catar, para abrir o primeiro mestrado nesta área no Médio Oriente. Aos 50 anos, trocou Leiria pelo desconhecido e está a adorar. Coordena a oferta científica e supervisiona as disciplinas na área de legendagem, dobragem e técnicas de comunicação alternativa. Além disso, está a desenvolver projetos pioneiros na área da legendagem para surdos, audiodescrição para cegos e comunicação multissensorial para organizações gigantes como o Doha Film Institute, Qatar Airways ou Qatar Tourism. Josélia especializou-se nesta área no Reino Unido e diz não ter tido dificuldades em integrar-se no Médio Oriente. “Sendo um país em construção, há uma clara noção do que necessita para se afirmar enquanto território geofísico e social, e acolhe quem lhe acrescenta valor.” Ser mulher não foi obstáculo. “Nunca me senti tão respeitada. A ideia que temos do povo árabe é algo ficcionada. Tenho aprendido muito mais do que tenho ensinado”, diz. Criou o blogue outroladodeca.blogspot.pt para partilhar a aventura e só imagina um regresso a Portugal quando for a hora de se reformar. “Tenho muita dificuldade em compreender as políticas de investigação em Portugal: por um lado, existem mecanismos de apoio efetivos, de que eu fruí; mas, por outro, não há incentivos à continuidade e à fixação. Falta âncora.”
Ana Luísa Nunes tem 35 anos e está desde o ano passado na África do Sul
À caça de espécies invasoras na África do Sul
Ana Luísa Nunes está fora de Portugal “intermitentemente” há quase uma década. Fez o doutoramento entre a Faculdade de Ciências de Lisboa e a Universidade de Uppsala na Suécia, passou pelo Joint Research Center (JRC) da Comissão Europeia, em Itália, e está desde julho de 2015 na Universidade de Stellenbosh, a 50 km da Cidade do Cabo, na África do Sul. Pelo caminho encontrou a cara-metade: um colega belga dos tempos do JRC. Casam em agosto em Portugal, pouco tempo depois de terminar o atual contrato. Por agora, ainda há muito trabalho a fazer: Ana Luísa é especialista em invasões: estuda espécies transportadas pelo homem para áreas onde originalmente não existiam, e o seu impacto. A aposta na África do Sul revelou-se certeira. “Estou a trabalhar em invasões de lagostins aquáticos e é a primeira vez que tenho tanto fundo de maneio para trabalho de campo. O país está superempenhado em estudar, controlar e erradicar as espécies invasoras.” Se sair da Europa financeiramente exaurida teve esse lado bom, o revés é o estilo de vida. “As mudanças são enormes, desde quase nunca andar sozinha a pé a viver numa casa com vedações elétricas.” Com o final do contrato em 2017, fica tudo de novo em aberto. “Concorri a uma bolsa de pós-doc da FCT. Os resultados deviam sair no final deste mês, mas foram adiados para Fevereiro, o que deixou a comunidade científica bastante revoltada.” Sente falta da família e amigos e, como boa portuguesa, de um dos seus pratos preferidos: amêijoas à Bulhão Pato.
Inês Castro mudou-se para Israel em Outubro. Aos 28 anos, tenta perceber melhor as células
Descobrir os segredos das células em Israel
Shalom, diz Inês na volta do correio. É de Braga, mas estudou em Coimbra e Aveiro. Em 2012 começou o percurso internacional no Reino Unido e há um mês mudou-se para Rehovot, a 20 km de Telavive. “Como muitos cientistas, não escolhi o país onde estou, mas tive a oportunidade de fazer investigação num laboratório e instituto de excelência”, conta. Trabalha no Instituto Weizmann, na equipa de Maya Schuldiner, uma das “estrelas” na área da biologia celular. A matéria-prima é a levedura, que usam como modelo para estudar os processos da biologia fundamental. “Estou a tentar identificar novas proteínas envolvidas na comunicação entre os vários compartimentos da célula, conhecidos como organelos”, explica a investigadora. Em Israel encontrou um povo parecido com o português. As maiores diferenças foram o custo de vida e o calendário. “Uma das maiores mudanças na rotina é o fim de semana, que aqui calha à sexta e sábado. E o sabbath, que começa ao fim do dia de sexta e acaba ao fim do dia de sábado.” Inês namora com um português, também cientista, e não esconde que gostavam de regressar ao país quando surgir a oportunidade. Sem pressa. “O meu objetivo, estando fora, é aprender o máximo possível, desenvolver a minha carreira, conhecer novas pessoas e explorar novos sítios, na esperança de um dia trazer esta experiência e contribuir para o desenvolvimento da ciência em Portugal.” Custa estar longe família e dos amigos espalhados pelo mundo. “É claro que uns pastéis de nata e um bacalhauzinho também ajudavam.”
Joana Beja tem 42 anos e trabalha no British Oceanographic Data Centre, em Liverpool
Missão: gerir os dados do fundo dos oceanos
Joana esteve seis meses desempregada em Portugal até encontrar um projeto mesmo à sua medida: trabalha há seis anos no British Oceanographic Data Centre, organização britânica que gere informação recolhida em projetos oceanográficos, um mundo interminável para uma cientista de dados. Joana é responsável pela gestão da informação de dois projetos, um no Ártico e outro na Antártida. O objetivo é transformar milhares de variáveis em informação útil para cientistas e público. Viajar e conhecer novas pessoas tem sido uma das vantagens. Num dos maiores epicentros científicos do mundo, Joana consegue ter a perceção do mundo sem fronteiras da investigação. “Estou numa reunião na Bélgica com representantes da China, EUA, França, Noruega, Japão e Canadá. Metade dos participantes são nativos do país onde trabalham, os restantes, imigrantes. Acho que mostra bem quão internacional é a ciência”, conta. Para Portugal se tornar mais atrativo e, sobretudo, não levar tantos a sair, é preciso uma mudança de mentalidade, defende. “Num país pequeno e com recursos limitados, existe ainda muita competição e pouca colaboração. É um contrassenso. Se juntarmos esforços, chegamos mais longe.”A luta dos bolseiros, vistos como “mão de obra descartável”, é um dos aspetos que mais a incomoda. “Em Portugal faz-se muito boa ciência e não nos devemos sentir inferiores, mas temos de evoluir também na comunicação com o público”.
Luís Rosa tem 37 anos e trabalha em Leipzig, num dos maiores centros de investigação na área do ambiente
À procura das energias verdes do futuro
Luís está a fazer o pós-doutoramento na Alemanha, depois de ter passado pela Universidade do Algarve e pelo Instituto de Tecnologia Química e Biológica, em Oeiras. Aterrou em Leipzig em julho de 2013, com a mulher e a filha mais velha, na altura com cinco anos. Hoje, Rita já fala alemão melhor do que os pais e entretanto nasceu um irmão mais novo. A oportunidade surgiu primeiro para Luís, mas acabou por calhar bem para todos: a firma onde a mulher trabalhava foi à falência dois meses depois de saírem do país. “O trabalho em investigação é semelhante mas, aqui, as coisas são feitas com mais planeamento e, claro, sem tanta inibição por falta de dinheiro”, conta. Objetivo? “Encontrar novas fontes de energia verdes, renováveis, e novas formas de produção de compostos de interesse industrial fazendo uso de energias limpas”, conta o engenheiro bioquímico, que se tem especializado no ramo da biotecnologia ambiental e trabalha numa das instituições europeias mais prestigiadas nesse campo, o Centro de Investigação Ambiental Helmholtz, ligado à maior organização científica alemã, a Helmholtz Association. Só o centro em Leipzig emprega 900 investigadores. Luís e a família vêm a “casa” duas vezes por ano, no Natal e no verão, para matar saudades. Planos para regressar de vez, ainda não há. “Estou curioso para experimentar o mercado de trabalho europeu fora do ambiente académico. Mas vou-me mantendo atento às ofertas em Portugal.”
Sofia Caria tem 35 anos e está há cinco anos e meio a viver na Austrália
Em Melbourne a fintar os vírus
Sofia saiu de Portugal em 2005 para trabalhar em França, esteve nove meses em Portugal no ITQB e partiu de novo para Grenoble para fazer o doutoramento. Dali foi para a Irlanda, mas depois veio a crise, e a Austrália já foi uma escolha a dois: emigrou com o marido, também cientista, para um lugar com oportunidades para ambos. É doutorada em Ciências Farmacêuticas e tem por estes dias um alvo muito concreto: as proteínas dos vírus. “Poucas pessoas sabem, mas há cancros provocados por vírus. Conseguem-no produzindo proteínas semelhantes às humanas que impedem a morte de células infetadas, levando à formação de tumores.” A 17 mil quilómetros de Portugal, as maiores saudades são da família, dos amigos e da comida. Mas nem tudo é mau. “Em Melbourne, o clima é muito semelhante ao de Lisboa, por isso não tenho de me adaptar tanto como tive quando estava em Grenoble, França. Aqui, o café é igualmente saboroso mas continua a ser muito estranho celebrar o Natal em pleno verão.” As 11 horas de diferença no fuso horário e as estações trocadas são a parte mais chata. Sofia defende que os investigadores devem ter experiência no estrangeiro: “De todos os sítios onde estive saí enriquecida a nível pessoal e profissional.” Gostava, no entanto, que Portugal oferecesse melhores condições para poder regressar, e que não fosse quase uma “imposição” continuar lá fora. Neste momento, não se imaginam a regressar ao país. Quem sabe um dia, se as condições melhorarem.
Ricardo Fernandes, natural de Monção, está desde 2012 a trabalhar em Estocolmo
A dança das nanomoléculas em Estocolmo
Estudos de dispersão de nanomateriais em sistemas aquosos por ressonância magnética: esta é a descrição técnica no perfil de Ricardo Fernandes na rede GPS, mas o especialista em química física procura descomplicar… um bocadinho: “Tento perceber como determinadas proteínas interagem com nanotubos de carbono. É como se medisse o ritmo de dança entre essas moléculas.” O palco desse espetáculo de bailado à escala nano, e só observável com a ajuda de aparelhos de ressonância magnética nuclear, é o Instituto Real de Tecnologia da Suécia (ITK), em Estocolmo. Natural de Monção, Ricardo fez os estudos superiores na Universidade do Porto e mudou-se para a Suécia em 2012, primeiro para fazer o doutoramento. Acabou por ser contratado como investigador e não é o único estrangeiro na equipa – aliás, o ITK, que é também universidade, orgulha-se de ter estudantes e investigadores de mais de cem nacionalidades. Se surgir uma boa oportunidade, Ricardo regressará a Portugal e partilha uma visão otimista. “A ciência, em Portugal, está no bom caminho, mas pode ser melhorada. Acho que a gestão das instituições e universidades deveria ser menos hierarquizada e os professores na universidade deveriam ter uma menor carga horária, para dedicarem mais tempo à investigação”, defende. Além disso, acredita que o investimento privado poderia dar um empurrão adicional ao trabalho dos cientistas, em vez de se exigir só mais financiamento público.
Ana Pires é especialista em psicologia cognitiva e trabalha desde 2012 em Montevideu
Aprender com tablets no Uruguai
Ana Pires, 35 anos, saiu de Portugal em 2003 para fazer o doutoramento em Psicologia Cognitiva na Universidade Autónoma de Barcelona. Calhou-lhe um orientador de tese uruguaio, que a levaria a descobrir o país em 2011. Gostou tanto que se candidatou à Faculdade de Psicologia da Universidade da República em Montevideu e acabou por se instalar de armas e bagagens na América Latina. O desafio foi grande, conta. Trabalha desde 2012 no primeiro laboratório nacional nesta área, onde desenvolve e avalia jogos educativos de estimulação cognitiva para dispositivos eletrónicos e tenta perceber melhor os labirintos da perceção visual humana. Com aplicação prática imediata: no Uruguai, o governo oferece tablets a todas as crianças do ensino público, explica a investigadora, pelo que têm a possibilidade de usar as novas ferramentas em ambiente real e recolher dados. “O meu principal interesse é perceber como se adquirem as habilidades cognitivas durante a infância e como ‘entrena-las’ para potenciar o rendimento escolar”, diz Ana, que já deixa escapar o castelhano mesmo por escrito. Se há um português em cada canto do mundo, em Montevideu ainda se sente um pouco exótica, confessa. “Não somos muitos por aqui.” Tem saudades da família, dos amigos e de se sentar numa esplanada a ler o jornal com um bom café. “Gostava muito de voltar. Estou com muitos projetos aqui e cheia de oportunidades. Gostava de sentir o mesmo em Portugal”.
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