“Gosto de ouvir. Aprendi muitas coisas por ouvir cuidadosamente. A maioria das pessoas jamais ouvem.” Ernest Hemingway
A morte de Islam Karimov, presidente do mais populoso país da Ásia central, veio fazer tocar várias campainhas vermelhas, sobretudo em países como os EUA, a Rússia e a China. A sua morte aconteceu quando, por um lado, o seu país tem tido um crescimento económico de perto de dois dígitos ao ano, mas, por outro lado, quando em simultâneo se tem assistido ao avanço do islamismo radical uzbeque. Que ainda por cima tem tido especial entrosamento com a minoria chinesa vighur, oriunda da China, mais concretamente de Xinjiang. O seu desaparecimento político é muito preocupante para a estabilidade deste território, historicamente decisivo para a estabilidade e para a segurança regional, internacional e mundial. A luta pela sua sucessão não está, pois, de fora do que pode vir a ser o futuro do Uzbequistão e dos países vizinhos, e da estabilidade e do equilíbrio mundial. Nas últimas décadas, o Uzbequistão foi um fator importante do ponto de vista estratégico, no apoio à presença militar dos EUA na zona, em particular no Afeganistão – país que continua a ser um território sem soluções estáveis, assemelhando-se cada vez mais a um Estado falhado, esquartejado por várias tribos e por vários senhores da guerra. O recente avanço do islamismo radical na região não pode deixar de ser associado ao aumento do número de uzbeques que se alistaram no Daesh, na Al-Qaeda e noutras organizações terroristas supranacionais, para combater em diversos países, dos quais se destacam o Iémen, a Somália, a Síria, a Líbia, o Iraque e o macrolaboratório do radicalismo religioso que é o Afeganistão e até vários territórios do Paquistão que fazem fronteira com a Índia.
Mais uma vez, o realismo da geopolítica e da geoeconomia e da força e do equilíbrio militar impõe que potências como os EUA, a China e a Rússia, e até potências regionais como o Irão, tratem com pinças a situação uzbeque, e que todos contribuam para a sua manutenção enquanto país e território estável, seguro e de charneira para a região e até para o mundo. Pelo que se sabe, quer Rustan Inoyatov, quer Shavkat Mirziyayev têm de saber conviver e acomodar as suas ambições, os seus apoiantes e os aparelhos do Estado de si dependentes. Até porque um, enquanto primeiro-ministro, e outro, como chefe dos serviços secretos, foram peças fundamentais para o presidente Islam Karimov. Que, é bom recordar, iniciou funções em 1989, no tempo da república soviética do Uzbequistão, e se assumiu como o primeiro presidente do Uzbequistão independente em 1991. O Uzbequistão é um país de múltiplos recursos económicos. A sua história é, aliás, muito rica. Foi na sua capital que a nossa bem conhecida rota da seda conheceu momentos de grande dinamismo, assumindo-se como um centro comercial e cultural, à época, entre o chamado Oriente e o chamado Ocidente. A capital de sempre do que é hoje o Uzbequistão, ao longo da sua história milenar, resistiu a gente do calibre do grande Gengis Khan e de Alexandre, o Grande. Ainda hoje, o seu legado histórico e patrimonial está bem vivo e é bem ilustrativo da sua importância histórica e estratégica. Talvez por isso seja na sua capital que se tenha estado a desenhar muito daquilo que poderá vir a ser ou não a estabilidade e a segurança da Ásia Central. Não é por acaso que alguns dos principais conselheiros militares do novo presidente da república dos Estados Unidos da América têm chamado a atenção para a importância de o Uzbequistão ser tratado com pinças, sustentando que é um exemplo de um país que não deve ser forçado a assumir um sistema político de cariz demoliberal, com eventuais consequências negativas de onde se destaca a possibilidade de os radicais islâmicos poderem vencer eleições e, consequentemente, transformarem este país da Ásia Central num país desestruturador para a ordem regional e mundial. Aqui está um exemplo de uma abordagem prática e diferenciada que poderá vir a ser a nova postura da administração americana, com Donald Trump enquanto presidente dos Estados Unidos da América – aliás, na linha do que alguns estrategas da geopolítica americana têm defendido, como é o caso de Henry Kissinger. Esta nova abordagem, a acontecer, significará a inversão das prioridades e o reconhecimento, por parte dos Estados Unidos da América e do Ocidente, de que o combate ao terrorismo e o reforço do equilíbrio mundial passam ambos por acabar com o exagero da unipolaridade política, militar, normativa e diplomática, até aos dias de hoje vigente, do Ocidente.