Mortes nos comandos. Para o MP, militares detidos agiram “movidos por ódio patológico”

Mortes nos comandos. Para o MP, militares detidos agiram “movidos por ódio patológico”


Entre os sete militares detidos estão o diretor da prova e o médico de serviço. DIAP diz que as vítimas foram tratadas como “pessoas descartáveis”


Os sete militares dos comandos ontem detidos durante uma operação da Polícia Judiciária Militar e do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa passaram a noite no Estabelecimento Prisional Militar de Tomar – o único presídio existente no país – e vão ser hoje presentes a primeiro interrogatório judicial no Campus da Justiça de Lisboa. Os suspeitos foram detidos no âmbito do inquérito que investiga a morte de dois jovens – Hugo Abreu e Dylan Silva – durante o 127.o Curso de Comandos.

A procuradora do DIAP responsável pelo caso, Cândida Vilar, considerou que os militares ontem detidos trataram “os instruendos como pessoas descartáveis”. Esta posição do Ministério Público consta num despacho do Ministério Público a que o “Expresso” teve acesso.

No documento citado, o DIAP considera que há “perigo de continuação da atividade criminosa e de perturbação do inquérito” devido “à personalidade dos suspeitos, movidos por ódio patológico, irracional contra os instruendos, que consideram inferiores por ainda não fazerem parte do Grupo de Comandos, cuja supremacia apregoam”, e ainda devido “à gravidade e natureza dos ilícitos”.

Os suspeitos serão interrogados hoje por um juiz de instrução, que determinará quais as medidas de coação.

Diretor e médico detidos Entre os sete militares ontem detidos há cinco oficiais (um tenente- -coronel, três tenentes e um capitão) e dois sargentos. A informação foi confirmada ainda antes da hora de almoço. O Ministério Público (MP) informou que tinham sido detidos – na condição de arguidos – o diretor da prova, o médico e cinco instrutores.

Mais tarde foi a vez de o Exército se pronunciar sobre o caso, admitindo que os sete mandados de detenção emitidos pelo Ministério Público foram apresentados ao Comando do Exército pela PJ Militar, que coadjuva o MP nesta investigação.

Os militares são “suspeitos da prática de crimes de abuso de autoridade por ofensa à integridade física”, defendem os investigadores.

Mas no decorrer do inquérito podem juntar-se novas suspeitas ao leque, já que, segundo a Procuradoria-Geral da República, “as investigações prosseguem, estando em causa factos suscetíveis de integrarem os já referidos crimes de abuso de autoridade por ofensa à integridade física, bem como crimes de omissão de auxílio”. É também por estes dois crimes, aliás, que irão responder os primeiros arguidos do processo – dois enfermeiros militares.

Enfermeiros não deram auxílio Os dois enfermeiros faziam parte da equipa de serviço a 4 de setembro, segundo dia de treino do 127.o Curso de Comandos, e estão indiciados por crimes de omissão de auxílio e abuso de poder. Nesse dia, o furriel Hugo Abreu, 20 anos, morreu devido ao golpe de calor e vários alunos da especialidade mais rigorosa do Exército foram internados.

No sábado seguinte, a 9 de setembro, Dylan Araújo da Silva, também com 20 anos, não resistiu e foi a segunda vítima mortal.

Os enfermeiros foram ouvidos a 26 de outubro e, até ao início do julgamento, estão sujeitos à medida de coação de termo de identidade e residência (TIR). Caso sejam condenados, podem, para além da pena de prisão, perder a cédula profissional e ser expulsos do Exército.

“Investigação Será exemplar”, diz ministro Ontem, durante uma visita oficial a São Tomé e Príncipe, o ministro da Defesa, Azeredo Lopes, reagiu às detenções sublinhando o “empenho político” das várias forças para que “estes factos fossem devidamente aclarados e avaliados por quem de direito, neste caso, no quadro da investigação criminal”.

Azeredo Lopes disse ainda, em declarações aos jornalistas, estar convicto de que o inquérito está a ser conduzido de forma rigorosa. “A questão está transferida para a esfera do poder judicial, para a investigação criminal. Tenho a certeza de que será exemplar”, disse o ministro.

O governante – que fez questão de “deixar claro” que não estava “a presumir rigorosamente nada” –, disse ainda acreditar “profundamente no princípio da separação de poderes”. “Acredito que num caso com a gravidade deste, que suscitou esta investigação do MP e da Polícia Judiciária Militar, não há ninguém que não se empenhe na aclaração dos factos”, realçou.

Exército abre processos disciplinares Além do MP, também o Exército tem aberto processos disciplinares para apurar as responsabilidades relativas à morte dos dois instruendos. Até agora foram abertos inquéritos internos a três militares, dois oficiais e um sargento, a pedido do tenente-general Comandante das Forças Terrestres, António Menezes.

Na última atualização sobre o número de alunos que continuavam no 127.o Curso de Comandos, disponibilizada pelo Exército, as contas não deixavam margem para dúvidas: mais de metade dos instruendos tinha desistido, um número superior à taxa de desistência habitual – que ronda os 45%.

O curso iniciou-se com 67 alunos, a 3 de setembro. Após o treino que levou à morte de Hugo Abreu e Dylan Silva desistiram logo 17 militares (um oficial, quatro sargentos e 12 soldados). A 26 de setembro já tinham desistido outros nove militares (um oficial e oito soldados) e foram eliminados mais nove militares (também neste caso se tratou de um oficial e oito soldados), pelo que o curso prosseguia com apenas 30 alunos.

Falta exatamente uma semana para terminar a instrução do curso (acaba a 25 de novembro). O que ainda não se sabe é se este será o último da história dos comandos: até à conclusão da inspeção técnica extraordinária pedida pelo general chefe do Estado–Maior do Exército, Rovisco Duarte, os futuros cursos estão suspensos.