A política, o jornalismo e a economia há muito que abraçaram a sua própria entente na sociedade ocidental.
As suas constantes partilhas de interesses e resultados correspondem a uma interpenetração entre pares, cada vez mais elitista e afastada da realidade, que criou, pior que o vazio, a sensação de impotência e de exclusão.
A promiscuidade entre os que, em conjunto, detêm os meios financeiros, os instrumentos produtores da mensagem e a cadeira do poder minou a confiança dos cidadãos, desmobilizou-os, desprotegendo desta forma o sistema democrático, que ficou indefeso perante os assaltos de corruptos e charlatães.
Em conjunto deram vida ao conceito do infotainment, que levou à degradação da informação a favor de um entretenimento boçal que, lentamente mas de forma segura, foi transformando, primeiro, toda a informação supérflua em prato de entrada para o ansiado espetáculo, e, num segundo plano, degradou toda a informação e análise política, elegendo a caricatura, o populismo e o marginal em detrimento do debate politico sério em torno de ideias e alternativas sustentadas.
Quando nos referimos pejorativamente ao establishment esquecemos até que ponto formamos parte dele; quando mencionamos a “classe politica” contribuímos objetivamente para aumentar o fosso entre os cidadãos e a ação política.
Encapsulados nos centros de poder em Nova Iorque, Londres ou Madrid, estes sistemas feitos de elites, senadores, pais, tios e avós da democracia, inteligentes, cientistas e profetas da coisa política esqueceram-se que Paris não é França, Roma não é Itália e Lisboa não é Portugal, e mantiveram-se, por arrogância, cegos frente ao avanço dos extremismos.
A surpresa pela vitória de Trump é o segundo erro de cálculo depois do Brexit.
A desorientação e complacência cúmplice na Turquia com Erdogan, os avanços das forças extremistas na Alemanha, Itália, Hungria, Áustria, e o avanço da Frente Nacional em França são sinais inequívocos dos perigos reais que ameaçam a democracia em todo o Ocidente.
O extremismo necessita da simplificação quase infantil do populismo, sem esforço de reflexão maior que o necessário a um show televisivo. Populismo que germina sempre após uma crise porque oferece um culpado aos que não têm resposta para os seus medos e angústias.
Foram as práticas políticas corruptas, a mentira sistemática, o incumprimento dos programas políticos apresentados a sufrágio, a descarada comunhão de interesses entre políticos e os grandes grupos económicos, a degradação das condições de vida das pessoas ao mesmo tempo que, apesar da crise, uma minoria segue enriquecendo, a impunidade na delapidação do bem público, um indistinto bloco central de políticos que tudo dividiam em santa alternância. E a democracia foi sendo destruída por dentro, pelos mesmos que dela deviam cuidar e consolidar.
Foram eles, após décadas de assalto ao sistema democrático, décadas de esforçado e empenhado afastamento dos cidadãos da política até os desmobilizarem de todo, e que após terem humilhado, enganado e abandonado os cidadãos, uma e outra vez, eleição depois de eleição, que abriram as portas ao assalto do populismo e a vitórias como as de Donald Trump.
É ridículo assistir aos fariseus que toda a vida venderam a alma e o corpo no circo dos media, em programas onde tudo é alinhado para o espetáculo e a deturpação da verdade, virem agora lamentar a vitória de Trump, culpando a deriva da informação política para o mundo do entretenimento, onde eles, na verdade, são os principais burlões.
Um pouco por todo o lado existem sinais de que o fascismo está a renascer. É provável que não volte como o conhecíamos. Mas o racismo e a xenofobia de que se alimentava nunca desapareceram de todo.
O ascenso do fascismo apoiou-se numa profunda crise da democracia liberal e a lição em que devemos ponderar está na crise das instituições democráticas entre ambas as guerras mundiais.
O fascismo não se limita nunca ao aparecimento de um ditador, como se o problema residisse numa pessoa.
O verdadeiro problema está na sombra do ditador, nas condições que permitem a promoção do líder. O vazio das instituições fundamentais sem as quais nenhum Estado moderno consegue governar-se é a condição para o aparecimento do extremismo e dos discursos populistas.
E não são possíveis regimes de ditadura ou vitórias de caudilhos como Trump sem a participação de colaboracionistas coloridos de democratas.