No álbum que acaba de lançar tem um tema chamado “Ler Devagar” e agora encontramo-nos, para esta conversa, na livraria Ler Devagar, no Lx Factory, em Lisboa. Sente que, hoje em dia, como artista, deve alertar para a necessidade de abrandarmos e contemplarmos mais?
Completamente! E acho que essa é uma das coisas que a música faz. Tal como as livrarias e o facto de ainda existirem, em alguns sítios, porque nos Estados Unidos estão a desaparecer. Mas agora parecem estar a reaparecer porque as pessoas parecem estar a ficar cansadas dos seus Kindles.
E a ideia de uma música que não é portuguesa nem trabalha com fado ou com estilos de música mas populares, mas antes com música clássica, vir a outro país e trabalhar com um estilo que não é o seu, é também uma forma de chamar a atenção para o que pode resultar desse olhar contemplativo? Neste caso resultou este álbum, “Lisboa Íntima”.
Por vezes temos as coisas muito próximas mas parece que temos uma venda e não as vemos.
Colaborações como esta servem de chamada de atenção?
Totalmente! É tão boa ideia que alguém como eu, que tocou música clássica a vida toda – apesar de ter crescido numa família que adorava jazz e espetáculos da Broadway – possa fazer um trabalho como este. A verdade é que também tem a ver com o facto de ter casado com um homem [Richard O. Nidel] que sabe tanto sobre world music. Ou seja, por um lado está a minha herança familiar; por outro estou eu, na orquestra, com a minha flauta, a tocar Mozart e Haydn. E chego a casa e ele mostra-me coisas de África, do Brasil, de Portugal… O meu marido está constantemente à procura de música. Sempre assim foi. De tal forma que acabou por escrever um livro, “World Music: The Basics”. De certa forma foi ele que me deu a provar todos estes estilos. E isso fez-me perceber que havia algo noutros estilos, como na música portuguesa, que, além de servir como uma fuga aquilo que estava habituada a fazer, de certa forma era como se me curasse.
Foi isso que a levou a fazer o seu primeiro álbum fora da música clássica, “Elegante”, com música da América do Sul?
Sim. E tem a ver com o facto de ter conhecido uma pessoa que depois trabalhou comigo, o Ivan Lins, de quem depois me tornei amiga. Quando a minha orquestra foi a Buenos Aires tocar ele disse-me que tinha de conhecer o Pablo Ziegler, que durante dez anos foi pianista do [Astor] Piazzolla. Conhecemo-nos, ficámos amigos e foi com ele que aprendi muito sobre tocar tango. Foi assim que o “Elegante” nasceu, com temas do Brasil, do México, Argentina. Foi tão divertido que, mal terminámos, perguntei: e agora? A ideia de sair da minha zona de conforto agrada-me.
E o que a fez escolher Portugal e a música portuguesa?
Porque há muito que eu e o meu marido ouvimos música portuguesa. E viemos cá, para umas curtas férias, e nessa altura deram-nos vários nomes de pessoas ligadas à música que deveríamos conhecer. Não eram músicos mas estavam ligados ao mundo da música. E a primeira coisa que fizeram foi trazerem-nos justamente aqui, à Ler Devagar. Lembro-me de subirmos até ao andar da música e de acabarmos por comprar vários CDs, do Carlos do Carmo, mas também da Amália e de outros fadistas. Depois regressámos a Nova Iorque e, quanto mais ouvia aqueles CDs, mais me apaixonava pelo fado. Mais tarde descobri que o Ivan e o Carlos eram grandes amigos e escrevi ao Ivan – que sei que passa muito tempo em Portugal – a falar que gostava de conhecer o Carlos. Bastante tempo mais tarde, o meu marido recebeu um telefonema a dizer que era o Carlos do Carmo, que ia estar em Nova Iorque nos próximos dias, e se ele não gostava de passar no hotel onde ele ia estar alojado para se conhecerem. O Richard nem percebeu de onde vinha aquela conversa, mas foi, claro. Primeiro falaram sobre história do mundo e de Portugal, e depois começaram a falar de música. e ao fim de bastante tempo, o Richard lá acabou por dizer que a conversa estava a ser maravilhosa mas que não percebia como é que o Carlos lhe tinha telefonado. Foi aí que o Carlos lhe mostrou um email do Ivan a dizer que, se fosse a Nova Iorque, tinha de entrar em contacto com a Susan e o Richard. Foi ao longo desta conversa que percebemos que os dois, apesar de serem muito amigos e de já terem tocado juntos várias vezes, nunca tinham gravado nada juntos. Foi este o ponto de partida para o meu álbum.
E assim nasce a faixa “Faixa Ultramar”. E depois?
A partir daí começámos a contactar músicos e ver e ouvir todo o tipo de música portuguesa, do fado ao folclore.
A verdade é que, apesar de se chamar “Lisboa Íntima”, este álbum não é só sobre o fado lisboeta, mas faz antes uma viagem musical por Portugal.
É verdade. Acho que começou por Lisboa e gravámos em Lisboa, mas a verdade é que tem a ver com todo o país.
Sente que os intérpretes de música clássica raramente têm a oportunidade de sair desse género?
Nem outros músicos se aventuram na música clássica, nem o contrário acontece. São mundos fechados e por isso estamos a tentar abri-los um pouco. Não queremos construir muros, mas destrui-los (risos). Acho que o facto de o meu marido me mostrar tanta música fora do âmbito da música clássica, me permitiu sair desse universo fechado da música clássica.
E sente que o mundo da música clássica passou a olhá-la de outra forma a partir do momento em que começou a fazer estas colaborações?
As pessoas ficaram surpreendidas, mas apoiaram-me. Acho que algumas pessoas da música clássica até se sentiram um pouco invejosas por eu ter feito isto.
Foi um longo processo?
Foram precisos alguns meses para pôr tudo isto de pé, mas fizemo-lo a partir de Nova Iorque. Temos grandes contactos aqui que nos apoiaram muito e nos permitiram ter os melhores músicos a trabalhar neste álbum,.como o Pedro Jóia. E tornámo-nos todos amigos! Acho que, aquilo que descobri, à medida que o tempo passava, foi como o vosso mundo musical é tão fechado. A música portuguesa não sai de Portugal para o mundo. E o que pensei foi que talvez o meu propósito em tudo isto fosse mais do que os meus sentimentos, mas que pudesse servir como embaixadora para esta música maravilhosa que existe em Portugal.
Já mostrou o resultado a outros americanos?
Poucos, mas todos a quem mostrámos adoraram. Temos um amigo, o Bill McGlaughlin, que tem um programa de rádio chamado “Exploring Music”, na WFMT, e ele, assim que ouviu este álbum, escolheu uns cinco temas e vai apresentá-los no programa.
E ideia é agora pôr mais um carimbo no passaporte ou antes voltar a trabalhar sobre Portugal e a música portuguesa?
Temos falado de continuar por cá. Há muito mais para ouvir e para fazer. Parece-me que, para um país que é relativamente pequeno, há tantas regiões com música diferente. Já estou a pensar em tanta coisa que posso fazer aqui.
E pondera mudar-se?
Ai, sim! E o resultado das eleições ainda nos fez pensar mais nisso.
Mas isso quer dizer que está a pensar abandonar a sua carreira na música clássica?
Sim, sim! Estou no Orpheus há 35 anos. É uma orquestra fantástica, gravámos mais de 80 CDs, ganhámos e fomos nomeados para vários Grammy. Mas ao fim de algum tempo… Quero fazer outras coisas e ter uma vida diferente.