Extrema-direita.  PNR conta com  “efeito de dominó  de Trump” na Europa

Extrema-direita. PNR conta com “efeito de dominó de Trump” na Europa


O Partido Nacional Renovador cresceu nas legislativas e o seu líder quer aproveitar a onda internacional para se afirmar. SOS Racismo está atenta e diz que o fenómeno “é preocupante” e não se deve “ficar à espera de uma tragédia” para agir


O Partido Nacionalista Renovador (PNR) teve 27 300 votos nas últimas legislativas. Foi a maior votação de sempre. Mais dez mil votos do que nas eleições anteriores. “À nossa escala, é bastante”, confirma ao i o líder do partido, José Pinto Coelho, que se congratula com a vitória de Donald Trump e espera que “o efeito de dominó” chegue a Portugal.

Esta semana, o partido foi notícia por causa de um protesto que organizou contra uma manifestação pela legalização de imigrantes. Eram apenas 70 contra os cerca de três mil que se manifestavam a favor dos direitos dos trabalhadores estrangeiros, mas foi notícia a detenção do vice-presidente, João Pais do Amaral, por ter passado um cordão policial. Como foram notícia os 20 militantes do PNR que tentaram entrar na sede do Livre, onde decorria um debate sobre os efeitos da eleição de Trump.

“Admito que às vezes temos de esticar um bocadinho a corda”, confessa Pinto Coelho, que justifica as ações como uma forma de conquistar espaço mediático que não teriam de outra forma. “Há uma censura do politicamente correto”, lamenta, dizendo estar-se “nas tintas” para os que o acusam de racismo e xenofobia. A mensagem é forte: “Não queremos cá o islão. Não queremos mulheres de burca nas ruas ou burquínis nas praias, ou orações nas ruas de pessoas viradas para Meca.” E José Pinto Coelho acredita que, mesmo sendo ainda líder de um partido tão pequeno que não tem sequer direito a uma subvenção do Estado, “a mesa vai começar a virar” a favor da ideologia nacionalista que defende.

Para já, o PNR recusa divulgar quantos militantes ativos tem, mas reconhece estar “a crescer nas redes sociais”. Curiosamente, o PNR tem menos gostos no Facebook – 25 600 – do que votos nas legislativas. Mas José Pinto Coelho acha que isto pode mudar graças aos ventos que vêm de fora. “Primeiro, o Brexit e, agora, a vitória de Trump são uma lufada de ar fresco” que o líder do PNR lê como um ressurgir do apoio às ideias que defende como “o primado do Estado- -nação”.

A seguir, acredita, virá a vitória do partido nacionalista da Áustria e da Frente Nacional em França. “Cá, para o bem e para o mal, as coisas demoram mais tempo a chegar”, mas Pinto Coelho acredita que chegarão.

 

para levar a sério Do outro lado da barricada, o dirigente do BE e da SOS Racismo Mamadou Ba não desvaloriza o crescimento desta força política de extrema-direita. “É para levar muito a sério”, avisa em declarações ao i, lembrando que “em França também houve quem quisesse assobiar para o lado quando apareceu a Frente Nacional e agora arrependem-se.”

Mamadou Ba também vê um movimento político internacional a ganhar força e lembra as perseguições e desrespeitos pelos direitos humanos que são perpetradas pelos governos da Hungria e da Polónia. E é por isso que acha importante denunciar as ações do PNR, mesmo que isso implique ter de lhes dar palco mediático.

Para Mamadou Ba, as atitudes do PNR no domingo em Lisboa servem para a “afirmação de uma agenda política” e “não são atos circunstanciais”. O ativista antirracismo diz que é reveladora a forma provocatória como os militantes de extrema-direita protestaram no local da manifestação pró-imigração. “Eles estão organizados e têm práticas de afirmação na base do ódio. É uma coisa estrutural e viu-se que se sentiram legitimados para fazer bullying político. Isso é preocupante”, alerta.

“A eleição de Trump não é um epifenómeno e nós não vivemos numa redoma”, sublinha o bloquista, que vê “a retórica nos cafés” a reproduzir ideias racistas e xenófobas. “É preciso estar alerta porque isso existe e manifesta-se pelo PNR”, afirma. “Parece que as pessoas estão à espera de uma tragédia para dar importância a isto”, comenta, numa alusão às mortes do dirigente do PSR José Carvalho e do cabo-verdiano Alcino Monteiro, ambos vítimas de cabeças–rapadas nos anos 90.

Agressões sistemáticas Mamadou Ba não hesita sequer em afirmar que há “agressões sistemáticas, sobretudo à noite”, levadas a cabo por elementos da extrema-direita. “Podem dizer que os skins já não estão no PNR, mas basta ver as fotos das ações políticas deles para os encontrar”, diz, explicando que muitos destes crimes ficam sem castigo por falta de denúncia. “As vítimas não querem fazer queixa porque sentem que não faz diferença e porque sabemos que a extrema-direita está infiltrada nos órgãos policiais”, aponta, lembrando que, ainda há uma semana, um dos detidos numa operação contra os skinheads era um guarda prisional. “No dia em que o Ministério Público quiser levar a investigação até às últimas consequências vamos ter revelações muito desagradáveis em relação às forças de segurança”, acredita.

PNR nega violência José Pinto Coelho distancia-se da agressão que ocorreu no domingo e que vitimou dois espanhóis que se manifestavam a favor da legalização dos imigrantes e recusa a ideia de uma invasão à sede do Livre. “Essa é uma visão deturpada”, assegura, garantindo que não faz a apologia da violência e que os skinheads já não estão representados no PNR. “Isso foi há dez anos”, diz, referindo-se a Mário Machado, que acabou por sair do partido depois de ter sido condenado pelo envolvimento no homicídio do cabo- -verdiano Alcino Monteiro.

Apesar disso, ontem, depois de o i ter revelado a agressão a dois cidadãos espanhóis, um leitor apresentou-se como testemunha do crime, garantindo identificar como agressor um indivíduo que aparece nas fotos ao lado de Pinto Coelho, com o punho no ar em saudação. O caso vai ser reportado pela SOS Racismo às autoridades.

Segundo Pinto Coelho, a intenção por detrás da ida à sede do Livre foi apenas a de participar num debate sobre Trump. “Batemos à porta. Quando nos disseram que a sala estava cheia, fomo-nos embora”, conta.

A versão de Rui Tavares é diferente. O líder do Livre diz que foi clara a intenção intimidatória dos militantes do PNR e mostra-se preocupado com o facto de terem fotografado os elementos do seu partido que estavam na varanda da sede. “Houve uma atitude de intimidação”, assegura. O i sabe, aliás, que uma das dirigentes do Livre chegou a receber mensagens de ódio depois de atacar o PNR no Twitter. E Rui Tavares diz que a mensagem que fica do momento de tensão é a de que “eles andam aí e são perigosos”.

Tavares considera que é preciso “saber defender a democracia” e frisa que “é importante que o governo e os partidos tenham consciência de um fenómeno que manipula as próprias regras democráticas para as subverter”.