Está feito. A América deu Trump e Partido Republicano para domínio de Washington. Obama acabou e o mundo parece aflito com a gripe que o pode apoquentar.
Há semanas atrás escrevi aqui: “Uma parte do povo da América – com destaque para a imensa “classe média” – está com a fúria instalada nas mãos. Hillary está longe de aspirar a ganhar com conforto e, ao mínimo deslize – com consequências nos estados que decidem este formato eleitoral –, Trump pode trocar a penthouse do céu de Nova Iorque pela Sala Oval de Washington. Se assim for – e bem pode ser! –, estou certo de que o mundo, por força do impacto, pode entrar numa espécie de terapia de choque. E pensar a sério no crescimento da extrema-direita, nas exaltações dos radicalismos de esquerda, nos anseios dos ‘descamisados’ antissistema que apenas têm servido para baralhar o ‘sistema’.” E concluí: “O mundo que se construiu após a ii Guerra Mundial (…) teve o seu primeiro grande desafio com o fim da ‘guerra fria’, sinalizado pela queda da aberração de Berlim, e depois de terrorismos vários e barbáries controladas no espaço e no tempo. Agora, esse mesmo mundo pode ter – e até seria bom que o tivesse – o seu segundo grande desafio: o radicalismo e a ignorância sem ideologia no poder supremo, colocado pelo desespero e pela insatisfação contra a vigência. O mundo está perigoso. Ficará mais perigoso se o perigo maior vier da América. Mas talvez não se encontrasse forma mais eficiente de superar tantos perigos…”
E assim foi. Trump troca de casa e desafia o mundo. Ainda não sabemos bem quem ganhou. Mas o “sistema” perdeu. O que significa que é possível a instalação de interesses e a trincheira mediática perderem. É verosímil o temor reverencial e a banda mediática decaírem na urna. É admissível fazer (quase) tudo fora do “mainstream” e ganhar. Trump, o burguês que quis ser presidente por fazer parte da elite que elegia presidentes, chegou lá. Tentou, tentou e acabou por conseguir na derradeira tentativa.
E agora? Todos podemos prognosticar. Pela minha parte – desde logo, ainda com o discurso agregador da vitória –, teremos mais um processo de normalização de um vencedor atípico. Sem dramas, depois de obtidos os votos, Trump vai padronizar-se, deixando o radicalismo de lado (Tsipras, à sua escala, é um bom exemplo), suavizando-se, consensualizando-se, munindo-se do “politicamente correto” dos conselheiros e dos parceiros do ordenamento mundial (lembram-se de Reagan?), caminhando para o “centro” que repudiou em campanha e usufruindo do poder total que os republicanos agora lhe devem. Mas vai ser cobrado num só mandato: (1) o que fazer com a bandeira do nacionalismo, do repúdio da imigração e da repristinação da “Grande América”; (2) como lidar com a classe média frustrada e o desemprego de longa duração; (3) como reagir às reivindicações de desmembramento do Estado que guarnece os desfavorecidos e as minorias; (4) o que fazer com as promessas de fixação da indústria pesada e de luta contra os interesses comerciais dos gigantes asiáticos; (5) como proceder à integração dos millennials e ao estímulo dos universitários da geração Y; (6) como integrar os blocos geopolíticos que cada vez mais desafiam a liderança estratégica do Ocidente americanizada? (7) como vai ser o Trump “chefe militar”
Depois, a vida de Donald será um filme de Hollywood. Própria da câmara de Oliver Stone. Antes, começa agora o filme real, tendo um novo apelido ao leme: Trump. Em estreia num mundo perto de todos nós.
Professor de Direito da Universidade de Coimbra. Jurisconsulto
Escreve à quinta-feira