Há muito tempo que as linhas de alta tensão são objeto de preocupação em termos do seu impacte para a saúde das pessoas que passam um razoável tempo nas suas proximidades.
O primeiro grande debate sobre o assunto, com reflexo a nível mundial, teve lugar nos EUA, num mediático processo judicial em que se tentou relacionar a maior incidência de leucemia em crianças com as linhas de alta voltagem ou alta tensão.
Desde então têm sido feitas centenas de estudos, mas talvez devido à elevada quantidade de fatores que confundem e da dificuldade em estabelecer uma nítida e definitiva relação causa-efeito, os resultados são, por vezes, contraditórios. Há um par de anos, o “New England Medical Journal”, uma das mais conceituadas revistas médicas do mundo, publicava um estudo em que se negavam efeitos deletérios para a saúde, enquanto outra das grandes revistas médicas, o “British Medical Journal”, revelava um estudo em que se afirmava o contrário.
O que são as linhas de alta tensão
As linhas de alta tensão servem para conduzir a eletricidade de um ponto a outro na rede de consumo elétrico que começa nos pontos onde é gerada e termina, por exemplo, no computador onde estou a escrever este texto e no candeeiro que me ilumina o teclado… ou na voz de Katie Melua ou na excelsa música de Bach que sai do meu leitor de CD.
Talvez por isso – por sermos ávidos e inevitáveis consumidores de eletricidade, no nosso trabalho, conforto e lazer –, não podemos simplificar o assunto e dizer que “temos de acabar com as linhas de alta tensão”. As linhas de alta tensão, que vemos por exemplo ao longo da estrada, com aqueles dispositivos altos e elegantes onde tantas vezes as cegonhas fazem ninhos, são a melhor forma de transportar a eletricidade. Nas cidades e vilas, a transmissão elétrica é feita debaixo do solo, porque é mais rentável e mais fácil, mas isso não é possível a nível nacional, independentemente da origem da energia – renovável, de barragens, etc.
A questão é, pois: há ou não risco em se viver ou estar muito tempo perto dos circuitos de linhas de alta tensão? A ciência ainda não conseguiu dar uma resposta definitiva, mas isso não quer dizer que o risco não possa existir. O maior fator de risco é representado pelos campos eletromagnéticos gerados pelas linhas, os quais não podem ser blindados, ao contrário dos campos meramente elétricos.
Cientistas de vários setores têm chamado a atenção para o perigo que estes campos podem criar para a “estabilidade” do ser humano sobretudo nas cidades, onde estão no subsolo, pelo que vemos quando viajamos pelo país, não apenas no que tem a ver com o aparecimento de cancros, abortos espontâneos (há estudos que mencionam um aumento de 5% para o total de grávidas), malformações congénitas e outras doenças, mas também instabilidades significativas no sono, humor, resistência ao cansaço e outras valências que perturbam a qualidade de vida sem serem propriamente “doenças”.
O efeito, particularmente nas crianças, pode traduzir-se por tristeza, perturbações do sono (certos estudos referem baixa da produção de melatonina, a hormona do sono, com irregularidades nos ritmos de sono e mais acordares durante a noite) ou insucesso na aprendizagem (eventualmente decorrente do mau dormir ou agravado por ele), entre outros. Alguns estudos referem uma maior taxa de depressão, outros falam de irritabilidade e agressividade. Mas sendo situações que têm a ver com fatores pessoais e ambientais, tantos e tão vastos, é sempre difícil, se não mesmo impossível, relacionar diretamente as duas coisas em termos de causa-efeito. No fundo, estamos rodeados por “trezentas mil coisas” e atravessados literalmente por ondas de telemóveis, televisão, internet, eletricidade, rádio, etc. Assusta pensar que, precisamente agora, no momento em que o leitor está a ler o seu i de hoje, está a ser “trespassado” por milhares de ondas… assusta, mesmo!
Aliás, permita-me, leitor, sugerir uma coisa: quando for dar um passeio num parque, repare que algumas árvores crescem direitinhas e noutras o tronco parece que sofre um desvio, que se esquiva, que foge a qualquer coisa, para depois voltar a crescer direito. Há quem afirme que essa fuga tem a ver com o evitar os campos eletromagnéticos mais negativos, porque o crescimento é afetado por eles. As árvores fariam, assim, uma finta a esses campos, procurando crescer mais longe deles, para não definharem. Constatem isso com várias árvores, sobretudo nos parques das cidades. Este fenómeno pode ter a ver com os campos eletromagnéticos, que não estão unicamente relacionados com a passagem de cabos naquele local, mas com coisas muito mais vastas, como a magnetização da água que circula, livre ou conduzida debaixo do solo, por exemplo.
Partilho convosco algumas interrogações para que a ciência ainda não consegue ter uma resposta, mas sobre as quais vale a pena pensar. Porque é a nós que compete salvar o planeta da sua própria autodestruição. Pelas gerações futuras, mas também pelas presentes…
Provavelmente, com a evolução científica e tecnológica, novas formas de transmissão da eletricidade e da energia surgirão, como as de azoto líquido, transmissão sem fios, através de satélites – enfim, tudo é possível, graças ao grande “computador” que temos dentro das nossas cabeças e que, trabalhando em equipa, foi e é capaz de desenvolver formas inacreditáveis de resolver os problemas. Por vezes pode surgir um conflito de interesses entre a economia e a saúde, e a questão major será a de arranjar um ponto de equilíbrio em que se consigam os avanços necessários com um mínimo de efeitos colaterais. Isso depende de muitos fatores, desde as opções políticas à nossa capacidade individual de as influenciar, mas também da capacidade de intervir como cidadãos ou profissionais, e de poupar, reciclar e não desperdiçar.
Quanto às linhas de alta tensão, até haver certezas – se é que algum dia as haverá –, cada um terá de decidir conforme o que sentir, procurando informar-se e optar com base no conhecimento existente.
PS – Por falar em alta tensão: hoje há eleições nos EUA. A tensão foi alta, a campanha paupérrima, os candidatos pouco apelativos (mesmo os pré-candidatos), mas os resultados serão seguramente determinantes para o rumo que o mundo vai tomar. Espero amanhã estar a festejar a vitória de Hillary, mesmo que a personagem não me provoque grande entusiasmo…
Pediatra. Escreve à terça-feira