Paulo Moura. ‘Vários jornalistas com quem estive foram mortos’

Paulo Moura. ‘Vários jornalistas com quem estive foram mortos’


Conversámos com o antigo repórter do Público, hoje freelancer, que acaba de lançar o livro “Depois do Fim” (Elsinore), onde reúne a sua experiência de 25 anos em cenários de guerra.


Quando vê as notícias de jornalistas que são mortos ou raptados alguma vez pensa ‘podia ter sido eu’?

Claro que penso. Até porque houve muitas vezes em que isso aconteceu ao meu lado. Houve muitos jornalistas que eu conheci, com quem estive, e que depois foram mortos. Vários jornalistas com quem eu estive na Líbia foram assassinados. Também na Líbia, um grupo de americanos que estiveram comigo numa casa onde albergávamos jornalistas que chegavam, no dia seguinte foram apanhados pelas forças do Kadhafi. Estiveram presos, foram torturados, etc. No Afeganistão, um grupo de jornalistas franceses que ia precisamente à nossa frente teve uma emboscada e foram todos mortos.

Como conseguiu escapar?

Nós também tivemos uma emboscada, só que os nossos guerrilheiros eram melhores e venceram os talibãs. Mas foi por um acaso. A pessoa nessas situações faz um cálculo dos riscos, não vai à maluca. Claro que a probabilidade de acontecer alguma coisa é maior do que se estiver aqui em Belém – mas os riscos são muito calculados. Se o risco de morrer for mais do que 1% já não vou. E mesmo 1% já é de mais. Até porque se morresse não podia encher as 600 páginas deste livro, só fazia uma [risos].

Mas deve haver momentos, suponho eu, em que a situação começa a escapar ao controlo.

É isso que eu identifico com as situações perigosas. Situações que nos escapam ao controlo. De repente, já não sabes bem com quem estás, quem é teu amigo ou não, o que estão a falar entre eles numa língua que não entendes. Isso acontece às vezes e é imprevisível. De repente estás num sítio em que não tens fuga possível e estão todos a discutir numa língua estranha o que vão fazer contigo.

E têm armas, se calhar…

Claro que têm. Na Tchetchénia fui para as montanhas com os guerrilheiros. Estava totalmente nas mãos deles. E o repórter que tinha estado lá antes, um tipo que trabalhava para a Reuters, foi assassinado porque de repente começaram a achar que ele era espião. Discutiram uns com os outros e, por via das dúvidas, deram-lhe um tiro na cabeça.

Quando passa muito tempo em Lisboa começa a sentir falta da adrenalina? Começa a achar a vida aqui um bocado aborrecida?

Sim, começo. Mas isso já acontecia quando era adolescente e fazia interrail. Sinto a necessidade das viagens, mais do que a necessidade da guerra – essa adrenalina das situações de violência, não. Conheci muitas pessoas que de facto criam o vício na violência da guerra e não conseguem viver sem isso. E é engraçado que em todos os sítios lá encontramos os mesmos.

E eles não podem dizer o mesmo de si?

Podem, mas eu pelo menos estou sempre como jornalista. E eles variam. Umas vezes estão como jornalistas, outras vezes como ativistas de não sei quê, outras a trabalhar numa missão humanitária… Eles querem é estar lá e arranjam maneira de ir às guerras todas. Vê-se que há ali uma coisa doentia. Essas pessoas são perigosas porque arriscam demais, gostam de se pôr em causa. Tenho suspeitas de que uns são jornalistas umas vezes e na guerra seguinte já são espiões a favor de alguém.