Doçuras e travessuras


Como é possível alguém não estar satisfeito com os sinais de empastelamento de funções  essenciais do Estado, em função das cativações e do empurrar da despesa para futuro? 


Não nos rendemos à colonização comercial do Halloween, que deixa sem espaço o nosso tradicional “Pão-por-Deus”, nem temos a visão idílica que, depois de quatro anos de travessuras da direita, agora é apenas o tempo das doçuras, numa visão maniqueísta que em nada contribui para superar os bloqueios estruturais da sociedade portuguesa.
 
A verdade é que vivemos tempos em que as travessuras coabitam com as doçuras protagonizadas por gente tocada a pragmatismo e a relativização em função das circunstâncias e dos interesses.
 
Como é possível alguém ver falta de transparência na não entrega de quadros com o Orçamento de Estado para 2017, quando estes permitem vislumbrar que os termos de comparação usados para sustentar o reforço aposta na escola pública afinal são diferentes e que haverá um corte na educação de cerca de 169,5 milhões de euros? Isto depois de, segundo dados das Finanças, ser previsível que a saúde e a educação derrapem 680 milhões em 2016.  É como se a semântica dos cortes cegos tivesse sido substituída pela dos cortes visionários.
 
Como é possível alguém ver trapalhada nos processos que, sendo para credibilizar e capitalizar a Caixa Geral de Depósitos, por inabilidade ou incompetência, constituem-se em permanentes delapidações do património institucional que resta? Ou ainda ver falta de transparência na não entrega da declaração de rendimentos, património e interesses dos novos gestores no Tribunal Constitucional? 
 
Como é possível alguém não estar satisfeito com os sinais de empastelamento de funções essenciais do Estado, em função das cativações e do empurrar da despesa para futuro? 
 
Agora como no passado, além dos jogos políticos, das estratégias de comunicação e das táticas, além das dinâmicas sindicais e de contestação político-partidária, continuam a existir pessoas, com necessidades, expetativas e inteligência.
 
Inteligência suficiente para perceber que ir a Cuba e nada dizer sobre direitos humanos, para depois brandir autoridade moral contra a Guiné Equatorial, que foi acolhida na CPLP, é um mero exercício de hipocrisia.
 
Inteligência que baste para não ver na votação parlamentar do PS, ao lado de PSD e CDS, por mais de cem vezes, um perigoso desvio à direita, lesivo da eufórica narrativa das conquistas da sobrevivência política após a derrota nas legislativas.
 
Inteligência que não chega para perceber porque se persiste em atirar tanta areia para os olhos dos cidadãos, porque não se consegue colocar os fundos comunitários ao serviço na economia e do crescimento económico e porque a política é circunstância quando devia ser valor, é opacidade quando devia ser esclarecimento e alguns persistem em estar sempre longe da fotografia quando há problemas. Nunca é nada com eles.
 
Entramos num período muito importante para Portugal e para o Mundo, em que as doçuras e as travessuras vão estar presentes como engodo para a nossa inteligência, espírito crítico e exigência cívica:
 
. o Orçamento de Estado para 2017 é votado na generalidade com o anunciado compromisso de fidelidade do PCP, do Bloco de Esquerda e dos Verdes à realidade. À realidade das disponibilidades financeiras, das circunstâncias e das metas do Tratado Orçamental;
 
. os Estado Unidos da América escolhem entre o senso de Hillary Clinton e a insanidade de Donald Trump;
 
. Lisboa acolhe a Web Summit, marca de modernidade e de futuro que deve ser projetada em outras realidades concretas da vida dos portugueses, com sustentabilidade e senso.
 
Num tempo em que soa a travessura “ a saída limpa” da direita e o “virar de página da austeridade” das esquerdas, as doçuras, de tão exíguas, tendem a sumir na boca, sem que a amargura por ora pontue. A excelência da ação no domínio do simbólico contrasta, salvo honrosas exceções, com a confrangedora incapacidade para decidir e agir sobre questões concretas das pessoas e dos territórios. Tal como na contenda desta época, para ouvir a campainha que antecede a incontornável pergunta “Doçura ou travessura?”, para ouvir os sinais é preciso estar disponível para escutar o som, algo intangível à euforia de alguns. A esses, falhando as travessuras, restar-lhe-ão, as “quentes e boas” do São Martinho.
 
Notas finais
 
Batata Doce. A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) enquanto estrutura, por responsabilidade da falta de vontade política, tem estado aquém das dinâmicas dos povos e das economias. Na cimeira do Brasil até parece que alguns descobriram o potencial, vamos ver quanto tempo dura o Sol. 
 
Diospiros. Nem se estranha, nem se entranha. Este governo desbloqueou e pagou apoios das intempéries de 2008 e 2010. Faz algum sentido, haver apoios estatais à reposição das situações perante catástrofes que são pagos oito ou seis anos depois das ocorrências? É tempo de definir claramente o que deve ser apoiado pelo Estado e agilizar a atribuição dos mesmos em tempo útil.
 
Castanhas. Depois de tanto que os portugueses e o Estado já investiram no resgate do sistema bancário, só faltava mesmo uma administração executiva da Caixa talhada para apertar com o que resta de empresas com relevância para a nossa economia. A medida do aperto será critério para outros no fim de alguns.
 
Água-Pé. Tem havido esforço, mas tem sido insuficiente para que os fundos comunitários cheguem à economia e sejam motor de crescimento. Entre o que é dito e a realidade há um mar de burocracia, burocratas e imobilismo. A menos que o objetivo seja não executar para mais renegociar as opções do quadro comunitário, não se compreende que tudo seja tão fraquinho.
 
Militante do Partido Socialista
Escreve à quinta-feira

Doçuras e travessuras


Como é possível alguém não estar satisfeito com os sinais de empastelamento de funções  essenciais do Estado, em função das cativações e do empurrar da despesa para futuro? 


Não nos rendemos à colonização comercial do Halloween, que deixa sem espaço o nosso tradicional “Pão-por-Deus”, nem temos a visão idílica que, depois de quatro anos de travessuras da direita, agora é apenas o tempo das doçuras, numa visão maniqueísta que em nada contribui para superar os bloqueios estruturais da sociedade portuguesa.
 
A verdade é que vivemos tempos em que as travessuras coabitam com as doçuras protagonizadas por gente tocada a pragmatismo e a relativização em função das circunstâncias e dos interesses.
 
Como é possível alguém ver falta de transparência na não entrega de quadros com o Orçamento de Estado para 2017, quando estes permitem vislumbrar que os termos de comparação usados para sustentar o reforço aposta na escola pública afinal são diferentes e que haverá um corte na educação de cerca de 169,5 milhões de euros? Isto depois de, segundo dados das Finanças, ser previsível que a saúde e a educação derrapem 680 milhões em 2016.  É como se a semântica dos cortes cegos tivesse sido substituída pela dos cortes visionários.
 
Como é possível alguém ver trapalhada nos processos que, sendo para credibilizar e capitalizar a Caixa Geral de Depósitos, por inabilidade ou incompetência, constituem-se em permanentes delapidações do património institucional que resta? Ou ainda ver falta de transparência na não entrega da declaração de rendimentos, património e interesses dos novos gestores no Tribunal Constitucional? 
 
Como é possível alguém não estar satisfeito com os sinais de empastelamento de funções essenciais do Estado, em função das cativações e do empurrar da despesa para futuro? 
 
Agora como no passado, além dos jogos políticos, das estratégias de comunicação e das táticas, além das dinâmicas sindicais e de contestação político-partidária, continuam a existir pessoas, com necessidades, expetativas e inteligência.
 
Inteligência suficiente para perceber que ir a Cuba e nada dizer sobre direitos humanos, para depois brandir autoridade moral contra a Guiné Equatorial, que foi acolhida na CPLP, é um mero exercício de hipocrisia.
 
Inteligência que baste para não ver na votação parlamentar do PS, ao lado de PSD e CDS, por mais de cem vezes, um perigoso desvio à direita, lesivo da eufórica narrativa das conquistas da sobrevivência política após a derrota nas legislativas.
 
Inteligência que não chega para perceber porque se persiste em atirar tanta areia para os olhos dos cidadãos, porque não se consegue colocar os fundos comunitários ao serviço na economia e do crescimento económico e porque a política é circunstância quando devia ser valor, é opacidade quando devia ser esclarecimento e alguns persistem em estar sempre longe da fotografia quando há problemas. Nunca é nada com eles.
 
Entramos num período muito importante para Portugal e para o Mundo, em que as doçuras e as travessuras vão estar presentes como engodo para a nossa inteligência, espírito crítico e exigência cívica:
 
. o Orçamento de Estado para 2017 é votado na generalidade com o anunciado compromisso de fidelidade do PCP, do Bloco de Esquerda e dos Verdes à realidade. À realidade das disponibilidades financeiras, das circunstâncias e das metas do Tratado Orçamental;
 
. os Estado Unidos da América escolhem entre o senso de Hillary Clinton e a insanidade de Donald Trump;
 
. Lisboa acolhe a Web Summit, marca de modernidade e de futuro que deve ser projetada em outras realidades concretas da vida dos portugueses, com sustentabilidade e senso.
 
Num tempo em que soa a travessura “ a saída limpa” da direita e o “virar de página da austeridade” das esquerdas, as doçuras, de tão exíguas, tendem a sumir na boca, sem que a amargura por ora pontue. A excelência da ação no domínio do simbólico contrasta, salvo honrosas exceções, com a confrangedora incapacidade para decidir e agir sobre questões concretas das pessoas e dos territórios. Tal como na contenda desta época, para ouvir a campainha que antecede a incontornável pergunta “Doçura ou travessura?”, para ouvir os sinais é preciso estar disponível para escutar o som, algo intangível à euforia de alguns. A esses, falhando as travessuras, restar-lhe-ão, as “quentes e boas” do São Martinho.
 
Notas finais
 
Batata Doce. A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) enquanto estrutura, por responsabilidade da falta de vontade política, tem estado aquém das dinâmicas dos povos e das economias. Na cimeira do Brasil até parece que alguns descobriram o potencial, vamos ver quanto tempo dura o Sol. 
 
Diospiros. Nem se estranha, nem se entranha. Este governo desbloqueou e pagou apoios das intempéries de 2008 e 2010. Faz algum sentido, haver apoios estatais à reposição das situações perante catástrofes que são pagos oito ou seis anos depois das ocorrências? É tempo de definir claramente o que deve ser apoiado pelo Estado e agilizar a atribuição dos mesmos em tempo útil.
 
Castanhas. Depois de tanto que os portugueses e o Estado já investiram no resgate do sistema bancário, só faltava mesmo uma administração executiva da Caixa talhada para apertar com o que resta de empresas com relevância para a nossa economia. A medida do aperto será critério para outros no fim de alguns.
 
Água-Pé. Tem havido esforço, mas tem sido insuficiente para que os fundos comunitários cheguem à economia e sejam motor de crescimento. Entre o que é dito e a realidade há um mar de burocracia, burocratas e imobilismo. A menos que o objetivo seja não executar para mais renegociar as opções do quadro comunitário, não se compreende que tudo seja tão fraquinho.
 
Militante do Partido Socialista
Escreve à quinta-feira