Como cidadão português que não votou em si e que, durante o longo período de sequestro televisionado em que Vossa Excelência, nas prédicas dominicais, foi amolecendo as monas dos cívicos, sempre o criticou, venho hoje por este meio felicitá-lo pela sua oportuna visita de Estado à Republica de Cuba.
Foi uma visita plena de afetos e solidariedade que ganhou uma dimensão de particular relevância pelo gesto de óbvia inteligência e demonstrada sensatez ao ter solicitado um encontro com Fidel Castro.
Foi ótimo para as relações bilaterais, foi bom para Vossa Excelência, que se elevou acima dos fundamentalistas ignorantes que viam nesse encontro uma viagem ao inferno, e foi bom para mim, pois leva-me a ter de ponderar e quiçá rever a minha descrença na personalidade de Vossa Excelência.
Respondeu Vossa Excelência, acertadamente, a quem só viu na sua reunião com Fidel Castro uma heresia para Tribunal do Santo Oficio: “Há personalidades que assinalam um certo tempo.”
Senhor Presidente, fez muito bem como católico e seguidor do Papa Francisco em fazer aquilo que o Papa fez aquando da sua visita a Havana: visitar Fidel Castro.
A ironia maior seria que, apesar de se assumir como admirador de Sua Santidade e das suas reformas, depois não comungasse da sua mensagem de amor ao próximo. Não se pode dizer que se é seguidor do Papa Francisco e depois ir em contramão.
Ganhou o católico, perdeu o beato, e Sua Excelência reforçou-se não só como estadista e homem de cultura atento ao seu tempo como ainda, e para mim o mais importante, projetou-se como ser humano. E tudo num gesto simples em Havana, quem diria?
Para além do mais levava consigo o voto unânime de todos os parlamentares portugueses contra o vergonhoso e ilegal bloqueio que, por sorte, coincidiu com o acontecimento histórico de, pela primeira vez nas Nações Unidas, o voto de uma resolução contra o bloqueio contar com a abstenção dos EUA e nenhum voto contra.
Senhor Presidente, sei que é um homem bem informado e por isso escuso-me de lhe recordar os avanços e feitos do povo e da nação cubana na saúde, ciência, desporto, educação, da excelência da sua escola de ballet, a maior do mundo, da reputada escola internacional de cinema, da sua extraordinária literatura e música.
Sei que sabe do contributo de Cuba para o fim do apartheid na África do Sul, da sua rica história de luta pela liberdade contra os vários colonizadores, revoluções, Guerra Fria, do tratamento gratuito durante 20 anos de mais de 27 mil crianças afetadas pelo desastre de Chernobil.
Da tenaz luta pela defesa da sua soberania contra o terrorismo financiado pelos EUA, que utilizou desde o atentado bombista com a destruição de infraestruturas e assassinatos até à destruição de colheitas e morte de animais, com a propagação de pragas e vírus, e às mais de 600 tentativas documentadas de assassinato de Fidel Castro.
Cuba tem um povo corajoso e hospitaleiro. Estou certo de que observou pobreza, mas não viu miséria, estou certo de que viu esperança e decência no rosto dos cubanos.
Tem de ser feito melhor? Claro que sim. Pelos cubanos. A comunidade internacional pode ter um papel importante, tanto como, sem preconceitos, os cubanos podem ajudar-nos a nós a olhar as coisas de outra forma, porventura há muito perdida, mas essencial para a dignidade do ser humano.
Presidente, tenho a certeza que, sendo o senhor um homem perspicaz e de afetos, sabe que esta noite, no mundo, milhões de crianças vão adormecer com fome, mas nenhuma delas será cubana.
Isto é muito mais que retórica ou beatice ideológica. Isto diz bastante da natureza da Revolução Cubana e da natureza e fé do seu povo.
Deus, também neste caso, escreve direito por linhas tortas. Não se pode é confundir alhos com bugalhos.
Com os meus respeitosos cumprimentos, mas sempre atento.
Consultor de comunicação