Um incumprimento contratual da empresa que fornece o sistema informático de gestão do Parlamento – em que está registada toda a informação financeira de deputados e funcionários – está a causar preocupação a diversos dirigentes dos serviços da Assembleia da República (AR). Em causa está a não migração de dados financeiros anteriores a 2008 para o atual sistema, algo que – sendo um dos requisitos do concurso público aberto em 2008 – deveria ter acontecido há já sete anos. O sistema custou cerca de 420 mil euros e obriga a um encargo anual de manutenção na ordem dos 50 mil.
Por partes. Desde que em 2009 a empresa Quidgest passou a disponibilizar o seu sistema integrado de gestão (após ter vencido o concurso público) os serviços da AR passaram a ter diversos problemas sempre que precisam de aceder a informação financeira seja de deputados ou de funcionários. Isto porque os dados que constavam dos sistemas anteriores, desenvolvidos pela empresa GEDI, não foram migrados – ao contrário do que ficara definido no caderno de encargos do concurso público que a Quidgest venceu.
Confrontado pelo jornal SOL com esta irregularidade, que dura há já sete anos, o gabinete do secretário-geral da Assembleia da República confirmou as dificuldades na implementação do sistema e justificou o facto de ainda nada ter sido feito para que a empresa contratada assegure efetivamente o que ficara definido, nomeadamente no que respeita à migração – ainda que os alegados incumprimentos não se fiquem por aí.
«O sistema foi implementado em 2010 e, face à complexidade da informação, à transição das legislaturas e às inúmeras alterações legislativas a que houve que dar resposta, as administrações tiveram que definir prioridades e, encontrando-se a informação acessível nos outros sistemas, a migração do histórico não foi uma prioridade», refere o gabinete de Albino de Azevedo Soares.
Secretário-geral diz que ‘Citius da AR’ vai ser tratado
Na resposta enviada ao SOL, é ainda admitido que «o cronograma inicial de implementação teve diversas alterações», que se prenderam com «as vicissitudes referidas». Porém, e uma vez que ao fim de todos estes anos a situação ainda está por resolver, o gabinete do secretário-geral garante que a AR vai tentar encerrar agora o dossiê.
«A Assembleia da República [está] atualmente a diligenciar com a empresa o encerramento dos trabalhos e acerto de contas», esclarece.
Este caso – que nos corredores é já chamado o Citius do Parlamento, por analogia à polémica da migração de dados que parou a Justiça – tem preocupado muitos dos dirigentes dos serviços da Assembleia da República. Isto porque estes receiam que os dados que nunca foram migrados possam por algum motivo ou erro vir a ser apagados.
AR desvaloriza receio de apagão dos dados
A hipótese é para já afastada pelo gabinete de Albino de Azevedo Soares: «Cumpre esclarecer que, após aquisição do sistema integrado de gestão ao fornecedor Quidgest, não se verificou qualquer ‘apagão’ relativo aos dados disponíveis nos sistemas anteriores (de 1990 a 1998 num primeiro sistema e de 1999 até 2009 nos sistemas do fornecedor GEDI)».
O SOL noticiou que em alguns casos foi já preciso recorrer ao arquivo histórico uma vez que o novo Sistema Integrado de Gestão, que deveria conter toda a informação desde 1990, apresenta esses problemas. Essa necessidade surge, por exemplo, em situações em que é preciso consultar dados antigos para cálculo de reformas de funcionários ou de deputados.
O secretário-geral, porém, assegura que só «é efetivamente necessário recorrer à informação em papel, que consta do processo individual no Arquivo Histórico Parlamentar, quanto aos anos anteriores a 1990, uma vez que até essa data não existia suporte informático».
Quanto aos dados relativos ao período 1990/2008 – ainda não migrados para o sistema atual – Albino de Azevedo Soares garante que continuam a ser acedidos nos sistemas anteriores, ou seja, nas plataformas que o Parlamento usava antes de ter adjudicado o serviço à Quidgest.
Com a informação dispersa é mais fácil cometer erros
Outra das preocupações que têm surgido é a de haver maiores probabilidades de se cometerem erros de cálculo, uma vez que os dados estão dispersos por várias plataformas e pelo arquivo histórico. Mas também aí o secretário-geral diz não haver problemas, ainda que admita que tudo tem de ser feito com recurso ao cruzamento de todos os sistemas e com a consulta do arquivo físico: «Os cálculos são efetuados com base na informação disponível nos sistemas informáticos mais antigos, no sistema atual, e, quando anterior a 1990 (data a partir da qual passou a haver suporte informático), com acesso aos registos disponíveis em papel no Arquivo Histórico Parlamentar, onde a informação se encontra estruturada e devidamente catalogada».
Não será, no entanto, só a migração dos dados que está em cima da mesa, o SOL sabe que a Quidgest não terá também disponibilizado de forma completa alguns dos módulos que tinha na sua proposta. Tais módulos são espécies de funcionalidades que segundo apurado deveriam ter feito parte do sistema oferecido desde o início, como a ‘Contabilidade Analítica’, o ‘Balanced Scorecard’ ou a ‘Preparação de Orçamentos’ – que só terá ficado disponível no ano passado.
Empresa não foi contactada para ajudar na migração
A empresa que forneceu o sistema informático anterior, a GEDI (atualmente designada SIAG), garantiu ontem desconhecer qualquer dificuldade relativa à migração dos dados para o sistema da empresa que ganhou o concurso em 2008, afirmando que nunca foram contactados até hoje para ajudar a resolver qualquer problema relativo à transferência dos dados.
«A SIAG disponibiliza-se sempre para colaborar, em tudo o que está ao seu alcance, na exportação de dados dos seus sistemas na medida do que nos é solicitado e contratualizado», concluiu fonte da empresa.