Os governos da Ibéria e as transparências


Tal como no final da governação da direita, após o foguetório da “saída limpa”, será a realidade concreta das pessoas e das comunidades a ditar as virtualidades ou o desastre das soluções, por muito que custe aos apaniguados do momento. Não é o diabo, é a vida!


“Há nos confins da Ibéria um povo que nem se governa nem se deixa governar”.

 

Atribuída por uns a Sérvio Galba, a um dos primeiros governadores romanos da península Ibérica, no séc. ii a. C., e por outros ao imperador romano Júlio César, a frase conquista contemporaneidade em várias situações nas relações infraestatais e supraestatais. Depois de programas de ajustamento de natureza diferenciada e de soluções político-partidárias também diferenciadas nas lideranças após o início da crise, Portugal e Espanha transformaram-se agora numa espécie de laboratório vivo da ciência política. Palco de experimentalismo puro, banco de ensaio de ambições pessoais, de sobrevivências políticas e de pragmatismo.

Cá como lá, quem devia ter ganho com ampla margem, depois da governação com austeridade, não ganhou.

Cá como lá, colocou-se a questão da governabilidade e da sustentabilidade.

Cá como lá, em breve estarão em curso dois modelos de governação em que apenas os resultados servirão como prova do sentido político das opções tomadas, além das euforias da conjuntura.

É certo que os pontos de partida no início da crise não são similares: Espanha com um programa de ajustamento direcionado para o sistema bancário; Portugal com um programa de ajustamento em que a austeridade foi catalisada pelo governo de direita. Os resultados foram formalmente os desejados por Bruxelas, mas de uma fragilidade confrangedora.

É certo que no meio do impasse após dois atos eleitorais e no ocaso de um ano de governação das esquerdas, Portugal tem um crescimento anémico, muito aquém das previsões, embora positivo, e Espanha, com governo de gestão, pode crescer acima dos 3,2%.

O certo é que, com a disponibilidade do PSOE, perdedor em duas eleições (onde é que já vi isto), para viabilizar pela abstenção o governo de Rajoy, a Ibéria transforma-se num laboratório político em que se espera que, no apuramento dos resultados, não sejam mais uma vez os cidadãos a pagar a fatura das opções dos políticos. Em Espanha, na oposição, a impor o compasso; em Portugal, no poder, sujeito ao compasso. Tal como no final da governação da direita, após o foguetório da “saída limpa”, será a realidade concreta das pessoas e das comunidades a ditar as virtualidades ou o desastre das soluções, por muito que custe aos apaniguados do momento. Não é o diabo, é a vida!

No país que acolhe a Web Summit, que resgatou o digital como pilar da relação do Estado com os cidadãos e que terá um orçamento participativo nacional como prova de maturidade da relação da representação com a participação, a transparência e o escrutínio ainda são de geometria variável. Como é possível que o cidadão não tenha acesso, nos respetivos sítios na internet, à agenda diária dos membros do governo ou à composição das equipas civis e militares da Presidência da República? Como é possível não entregar os quadros das estimativas de execução da receita fiscal em contabilidade pública este ano ou querer isentar os gestores da Caixa de transparência na declaração de rendimentos?

É bom que comece e acabe rapidamente o debate do Orçamento do Estado para 2017 para sabermos o que corresponde à verdade, o que foi mero número mediático do BE e do PCP, as pressões de Bruxelas que foram mero pró-forma para Estados membros verem e que notícias foram divulgadas apenas para distrair a atenção dos cidadãos do essencial, tal como acontece no futebol, em que uns lideram e outros tentam distrair as atenções.

Que bom seria para o país que os fundos comunitários fossem desbloqueados, que as estruturas de gestão não persistissem nas entropias e que o dinheiro chegasse a quem cria emprego e promove crescimento económico. Ou que o trabalho constante do Plano Nacional para a Coesão Territorial tivesse a adequada projeção e mais apoio na agilização de recursos financeiros para dinamizar o interior. Ou que não se persistisse em desvalorizar a segurança como pressuposto fundamental do setor turístico, seja nas condições de intervenção do gabinete nacional que investiga incidentes/acidentes aéreos, nas condições das infraestruturas aeroportuárias ou nas condições operacionais das forças de segurança.

Tal como em qualquer laboratório de experiências, com ou sem Professor Pardal de serviço, haverá sempre um momento em que é preciso fazer a limpeza. Que, ao invés da “saída limpa”, não exista demasiado lixo escondido do vislumbre de quem assiste às experiências ou delas beneficia.

Notas finais

Reagentes. Enquanto persistem as disputas mediáticas entre BE e PCP em torno do Orçamento, só falta mesmo alguém propor que a condição de recursos (tão na moda) seja aplicada aos partidos políticos para acederem às subvenções estatais. Com o faustoso património imobiliário do PCP, qual capitalista burguês, não haveria offshore que acolhesse a dimensão da azia gerada pela proximidade do poder.

Proveta. Sem apresentar um modelo de Estado, uma experiência mundial em que funcione o que propõe para Portugal, o Bloco de Esquerda, parceiro de governação, revela todo o seu sentido de Estado ao não participar na comitiva presidencial da visita a Cuba.

Condensador. Portugal é certamente o país do mundo em que os banqueiros têm mais exposição mediática, quando a normalidade é a discrição e eficácia na gestão. Neste setor que resgatámos, é miserável que depois de entranharem os cartões multibanco nas nossas vidas, em média, a anuidade esteja 28% mais cara do que em 2015 e que, desde 2011, esta já tenha aumentado mais de 120%, segundo dados da DECO.

 

Militante do Partido Socialista, Escreve à quinta-feira


Os governos da Ibéria e as transparências


Tal como no final da governação da direita, após o foguetório da “saída limpa”, será a realidade concreta das pessoas e das comunidades a ditar as virtualidades ou o desastre das soluções, por muito que custe aos apaniguados do momento. Não é o diabo, é a vida!


“Há nos confins da Ibéria um povo que nem se governa nem se deixa governar”.

 

Atribuída por uns a Sérvio Galba, a um dos primeiros governadores romanos da península Ibérica, no séc. ii a. C., e por outros ao imperador romano Júlio César, a frase conquista contemporaneidade em várias situações nas relações infraestatais e supraestatais. Depois de programas de ajustamento de natureza diferenciada e de soluções político-partidárias também diferenciadas nas lideranças após o início da crise, Portugal e Espanha transformaram-se agora numa espécie de laboratório vivo da ciência política. Palco de experimentalismo puro, banco de ensaio de ambições pessoais, de sobrevivências políticas e de pragmatismo.

Cá como lá, quem devia ter ganho com ampla margem, depois da governação com austeridade, não ganhou.

Cá como lá, colocou-se a questão da governabilidade e da sustentabilidade.

Cá como lá, em breve estarão em curso dois modelos de governação em que apenas os resultados servirão como prova do sentido político das opções tomadas, além das euforias da conjuntura.

É certo que os pontos de partida no início da crise não são similares: Espanha com um programa de ajustamento direcionado para o sistema bancário; Portugal com um programa de ajustamento em que a austeridade foi catalisada pelo governo de direita. Os resultados foram formalmente os desejados por Bruxelas, mas de uma fragilidade confrangedora.

É certo que no meio do impasse após dois atos eleitorais e no ocaso de um ano de governação das esquerdas, Portugal tem um crescimento anémico, muito aquém das previsões, embora positivo, e Espanha, com governo de gestão, pode crescer acima dos 3,2%.

O certo é que, com a disponibilidade do PSOE, perdedor em duas eleições (onde é que já vi isto), para viabilizar pela abstenção o governo de Rajoy, a Ibéria transforma-se num laboratório político em que se espera que, no apuramento dos resultados, não sejam mais uma vez os cidadãos a pagar a fatura das opções dos políticos. Em Espanha, na oposição, a impor o compasso; em Portugal, no poder, sujeito ao compasso. Tal como no final da governação da direita, após o foguetório da “saída limpa”, será a realidade concreta das pessoas e das comunidades a ditar as virtualidades ou o desastre das soluções, por muito que custe aos apaniguados do momento. Não é o diabo, é a vida!

No país que acolhe a Web Summit, que resgatou o digital como pilar da relação do Estado com os cidadãos e que terá um orçamento participativo nacional como prova de maturidade da relação da representação com a participação, a transparência e o escrutínio ainda são de geometria variável. Como é possível que o cidadão não tenha acesso, nos respetivos sítios na internet, à agenda diária dos membros do governo ou à composição das equipas civis e militares da Presidência da República? Como é possível não entregar os quadros das estimativas de execução da receita fiscal em contabilidade pública este ano ou querer isentar os gestores da Caixa de transparência na declaração de rendimentos?

É bom que comece e acabe rapidamente o debate do Orçamento do Estado para 2017 para sabermos o que corresponde à verdade, o que foi mero número mediático do BE e do PCP, as pressões de Bruxelas que foram mero pró-forma para Estados membros verem e que notícias foram divulgadas apenas para distrair a atenção dos cidadãos do essencial, tal como acontece no futebol, em que uns lideram e outros tentam distrair as atenções.

Que bom seria para o país que os fundos comunitários fossem desbloqueados, que as estruturas de gestão não persistissem nas entropias e que o dinheiro chegasse a quem cria emprego e promove crescimento económico. Ou que o trabalho constante do Plano Nacional para a Coesão Territorial tivesse a adequada projeção e mais apoio na agilização de recursos financeiros para dinamizar o interior. Ou que não se persistisse em desvalorizar a segurança como pressuposto fundamental do setor turístico, seja nas condições de intervenção do gabinete nacional que investiga incidentes/acidentes aéreos, nas condições das infraestruturas aeroportuárias ou nas condições operacionais das forças de segurança.

Tal como em qualquer laboratório de experiências, com ou sem Professor Pardal de serviço, haverá sempre um momento em que é preciso fazer a limpeza. Que, ao invés da “saída limpa”, não exista demasiado lixo escondido do vislumbre de quem assiste às experiências ou delas beneficia.

Notas finais

Reagentes. Enquanto persistem as disputas mediáticas entre BE e PCP em torno do Orçamento, só falta mesmo alguém propor que a condição de recursos (tão na moda) seja aplicada aos partidos políticos para acederem às subvenções estatais. Com o faustoso património imobiliário do PCP, qual capitalista burguês, não haveria offshore que acolhesse a dimensão da azia gerada pela proximidade do poder.

Proveta. Sem apresentar um modelo de Estado, uma experiência mundial em que funcione o que propõe para Portugal, o Bloco de Esquerda, parceiro de governação, revela todo o seu sentido de Estado ao não participar na comitiva presidencial da visita a Cuba.

Condensador. Portugal é certamente o país do mundo em que os banqueiros têm mais exposição mediática, quando a normalidade é a discrição e eficácia na gestão. Neste setor que resgatámos, é miserável que depois de entranharem os cartões multibanco nas nossas vidas, em média, a anuidade esteja 28% mais cara do que em 2015 e que, desde 2011, esta já tenha aumentado mais de 120%, segundo dados da DECO.

 

Militante do Partido Socialista, Escreve à quinta-feira