A epidemia do VIH/sida em Portugal parece estar mais controlada do que se pensava. Um estudo apresentado anteontem numa conferência em Glasgow estima que apenas uma em cada dez pessoas infetadas desconheça o seu estado, quando as estimativas a nível europeu apontam para uma fração de 25% a 30%. As novas projeções sugerem que há 44 mil pessoas a viver com o vírus da sida em Portugal, das quais 39 877 já diagnosticadas e 4298 que não sabem ser seropositivas.
Em agosto, um estudo divulgado na revista médica “Lancet” apontou para 115 mil casos no país, o que implicaria um número maior de pessoas por diagnosticar e tratar – este era mesmo o indicador mais negativo na avaliação que classificou Portugal como o 22.o país com melhores indicadores de saúde do mundo.
Se as projeções podem não passar disso mesmo, há um objetivo por detrás destes cálculos: ter a noção de quantas pessoas desconhecem ser portadoras do vírus da sida é essencial para avaliar as estratégias nacionais e o cumprimento das metas traçadas pela ONU até 2020: levar os países a ter 90% dos casos diagnosticados, 90% das pessoas em tratamento e, destas, 90% com cargas virais indetetáveis.
O estudo de modelação estatística agora divulgado – desenvolvido pelo ex-diretor do Programa Nacional para a Infeção VIH/SIDA, António Diniz, e pela epidemiologista do Instituto Ricardo Jorge Helena Cortes Martins – traça um cenário mais otimista e sugere que Portugal pode já ter alcançado os primeiros 90% da “abordagem em cascata” definida pela ONU.
Se os novos dados forem uma aproximação mais fiel à realidade, o número de pessoas em tratamento deixa o país bem posicionado para cumprir os dois 90% restantes. Segundo os últimos dados, 82,8% das pessoas diagnosticadas estão já a fazer tratamentos e 78,4% conseguiram cargas virais mínimas.
Kamal Mansinho, diretor do Programa Nacional para a Infeção VIH/SIDA, diz que as novas projeções são uma boa notícia, mas admite que será necessária uma análise detalhada para perceber se a modelação, que seguiu a metodologia do Centro Europeu de Prevenção de Doenças, corresponde mais à realidade do que a da revista “Lancet”, que seguiu a metodologia da ONUSida. “Estamos a falar de modelos matemáticos que é preciso ir avaliando com a informação real da evolução da epidemia no país.”
Hétero demoram mais a fazer o teste O novo estudo sugere desde já diferenças na sensibilização da população para fazer o teste do VIH, algo que Kamal Mansinho adianta que também poderá ser analisado nos dados nacionais e que pode ajudar a afinar as estratégias de combate à doença. Segundo o novo estudo, os heterossexuais demoram quase duas vezes mais a descobrir que estão infetados do que os homens que têm sexo com homens. No grupo dos heterossexuais, os investigadores calcularam um tempo médio entre a infeção e o diagnóstico de 4,5 anos, e nos homossexuais de 2,8.
De acordo com as projeções, o maior número de casos “escondidos” estará, também por este motivo, na população heterossexual: 13% dos infetados desconhecem o seu estado e haverá 2870 casos por diagnosticar. Entre os homens que têm sexo com homens, 10% desconhecem o seu estado e estimam-se 860 casos escondidos. Entre os utilizadores de drogas injetáveis, a fração de casos por diagnosticar é de apenas 1,2% e o estudo estima que apenas 161 toxicodependentes desconhecerão o seu estado. A ONU pretende eliminar a epidemia da sida até 2030. Em declarações à Lusa, António Diniz sublinhou que as projeções vêm mostrar que a meta é possível. “A erradicação é o desaparecimento à escala mundial – isso parece complicado. Mas parece-me possível que a infeção deixe de ter caráter de epidemia e que os que existam sejam casos isolados.”